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15 de abril de 2015

Genialidade ou Superdotação?

O texto não é ligado diretamente a Conscienciologia mas tem relação com a área da Mentalsomática.


Entrevista com Igor Paim
 
Questão 01) Qual a definição mais correta da superdotação?

Definir superdotação sempre foi complicado, pois existem vertentes que compreendem a condição de superdotado como validada pela mensuração quantitativa de testes psicométricos, de forma que quem apresentar um resultado na faixa superior de 5% da população, ou ainda, que tiver um QI acima de 130, poderia ser considerado superdotado. Essa concepção é problemática por diversos aspectos, primeiro porque existe limitação existente no próprio teste, pois se discute se o que o teste mede é mesmo inteligência e, mesmo sendo, como assegurar que está medindo integralmente a inteligência de uma pessoa?

O que acaba nos remetendo a outro problema, relativo ao conceito de inteligência, visto que nos testes clássicos a inteligência é entendida como uma faculdade geral e única da mente, o que conflitua com outros modelos de inteligência, como por exemplo, o modelo das inteligências múltiplas. Dessa forma, um teste paramétrico não avaliaria inteligências como a intrapessoal, interpessoal, musical, existencial, dentre outras propostas por Howard Gardner em seu livro Estruturas da Mente (1983). Só para se ter uma ideia, segundo estimativas, o fato de contemplarmos outros módulos de inteligência elevam para dez ou quinze por cento o número de superdotados na população em geral e não apenas os 3-5% validados pelos testes convencionais (ver relatório Marland de 1972).

Portanto, temos que ter em mente que os conceitos de inteligência e superdotação estão obviamente ligados e interdependentes, não há como dizer que alguém é superdotado se eu não souber ou entender melhor o que é inteligência. Outros fatores contribuem a desfavorecer os testes clássicos, como o estado emocional, variações fisiológicas naturais, ocorrência de doenças no dia do teste que podem fazer com que o indivíduo tenha seu rendimento diminuído significativamente. Veja bem, eu não sou totalmente contra os testes paramétricos, apenas acho que o diagnóstico exclusivamente por eles pode trazer resultados falso negativos terríveis, como um indivíduo que tenha diversos indicadores de superdotação, mas que não tenha obtido um bom resultado no teste seja desconsiderado em participar de um programa de acompanhamento e enriquecimento curricular, por exemplo. Acredito que avaliações multimodais seja o melhor caminho.

Então, o que eu considero como definição mais ampla para superdotação? Elegi a proposta de Joseph Renzulli como referencial teórico, pois segundo este norte-americano, o indivíduo superdotado é aquele que apresenta três grandes predicados, em um modelo chamado dos 3 anéis:

I)  Desenvolvimento em alguma(s) área(s) do conhecimento (isoladas ou combinadas) acima da média. O superdotado tem uma capacidade que “salta aos olhos”, não passa despercebido. Nisso compreendem  habilidades gerais (processamento e apreensão de informações, adequação a novas situações, abstração, velocidade de raciocínio, entre outras) e habilidades específicas (capacidades adquirir conhecimentos, práticas e agilidade em alguma área do conhecimento).
II)  Notório envolvimento com a tarefa, ou seja, a motivação como força motriz para a realização de seus intentos. Um superdotado tem perseverança, dedicação e autoconfiança em seus empreendimentos.
III)  A criatividade é o terceiro grande predicado, pois compreende uma forma divergente de pensamento frente aos problemas, fatos e fenômenos do mundo, de maneira mais obliqua, que se contraponha ao pensamento médio prevalente. Nota-se que nisso estão presentes a fluência, flexibilidade, curiosidade e maneiras de ver ou encarar as coisas para além do senso comum.

Além disso, Renzulli acrescenta a discussão dois tipo de superdotados, o acadêmico e o criativo-produtivo. O primeiro corresponde ao perfil clássico no imaginário popular, ou seja, aquele aluno excelente academicamente; amplo vocabulário; perseverante; ótima memória; ampla leitura, especialmente em livros técnicos; gosta do ambiente escolar; facilidade em aprender, dentre outras características que falaremos mais a frente. Enquanto que o superdotado criativo-produtivo é um tipo particular que tende a aplicar os conhecimentos de maneira mais indutiva, integrada, voltada para problemas reais, uma espécie de aprendiz de primeira-mão. O criativo-produtivo nem sempre tem um QI superior; pensa bastante por analogias; tem nível de criatividade notável; dá pouco valor as convenções; aplica-se no desenvolvimento de produtos e ideias originais; não gosta de rotina; tende a fantasiar mais; ampla diversidade de interesses; tem nível de produtividade prática maior; vê ordem em meio ao caos; mais detalhista; tem mais insights; apresenta maior envolvimento emocional; maior nível de sensibilidade/empatia e demandam de mais suporte ou apoio dos pais/professores para canalizarem suas energias. Observe que o tipo criativo, ao longo da história, foi muito menos valorizado que o tipo acadêmico dentro das escolas.

Importante considerar que como pano de fundo, mas não menos importantes, estão os “aspectos sociais” que permeiam a existência do indivíduo e, portanto, precisam ser minimamente salutares para que a vida social não obstaculize ou reprima as potencialidades. Nisso compreendem as oportunidades, convivialidade, laços afetivos, entre outros, necessários à manifestação plena dos atributos do indivíduo.
É também fundamental que se entenda que os superdotados são um grupo muito heterogêneo, longe daqueles estereótipos clássicos de ser um indivíduo altamente desenvolvido em várias áreas do conhecimento, “bom em tudo” e que não precisaria de ajuda, pois ele mesmo se bastaria. Essa assincronia de capacidades, torna cada indivíduo uma singularidade para atenção especial.

Por fim, acho importante fazer uma última distinção que se refere ao conceito de gênio que tem sido empregado de maneiras bastante equivocadas. Alguns pensam que gênio seria uma espécie “super superdotado”, porém não é isso. Gênio é um termo de reconhecimento para as pessoas que realizaram uma contribuição significativa ou impactante para transformação de um campo do conhecimento, ao ponto que depois dele as coisas não podem ser como eram antes. Diversos exemplos históricos podem ser elencados: Beethoven, Einstein, Picasso; Marie Curie…

Questão 02) Qualquer pessoa pode desenvolver a superdotação? É possível tornar alguém superdotado?

Essa pergunta é também delicada e muita confusão já foi feita nesse aspecto, mas a resposta é não. Primeiro, a superdotação não é algo que se programe, se extraia de uma pessoa a partir de treinamento ou mesmo educação concentrada. A superdotação se manifesta espontaneamente, é um atributo inato, genético, não treinado, mas que precisa de um grande aporte de condições ambientais favoráveis para alcançar sua plenitude. Não quero que com isso as pessoas pensem que eu tenho um discurso elitista, mas é preciso reconhecer o fato de que o superdotado tem um conjunto de qualidades e necessidades especiais.

Por outro lado, podemos lembrar que François Gagné fez importantes trabalhos na área e distinguiu dotação de talento, pois o talento compreende um domínio notável de capacidades (habilidades) e conhecimentos sistematicamente desenvolvidos em pelo menos em uma área ou domínio de atividade humana. É possível, segundo o autor, desenvolver o indivíduo e coloca-lo dentro do percentual populacional de 3-5% dos indivíduos da mesma idade com habilidades superiores à média. Portanto, talento é algo que se treina, se desenvolve; mas superdotação não. Urge ressaltar que alguns pesquisadores atualmente acabam por dizer superdotação e talento são a mesma coisa, eu não concordo com esse entendimento.

É possível que muitos pais, ávidos por verem seus filhos se destacarem e terem sucesso, acreditem que poderiam fazê-los se tornar “gênios” em alguma área do conhecimento, tal como o pai de Mozart teria feito. Isso é um grande mito. Mozart já era superdotado, porém as condições extremamente favoráveis permitiram que o seu desenvolvimento alcançasse um máximo. É possível por meio do treinamento fazer alguém se aprimorar notavelmente em alguma área do conhecimento a ponto de que a mesma seja confundida com um superdotado, mesmo sendo apenas talentosa.

Poderia elucubrar um exemplo, digamos que se tenham dois pianistas aqui, um superdotado e outro talentoso. É possível que o talentoso, que fora bem treinado, tenha até mais habilidade de execução de uma peça de pianística que o superdotado. Porém, as diferenças que separam o superdotado do talentoso estão no tempo e esforço desprendido para o domínio da técnica e no nível de criatividade para criar / arranjar peças musicais. Quando nos lembramos de gênios da música como Mozart, Beethoven, Liszt e tantos outros fica patente as habilidades dos mesmos em execução musical, mas todos eles foram além do virtuosismo, criaram peças extraordinárias e impactaram a humanidade. O superdotado não precisa necessariamente se tornar um gênio, conforme já diferenciamos, mas se o mesmo não tiver a criatividade como centelha para deflagrar um incêndio criativo, o mesmo não é superdotado.

Portanto, se sua pergunta fosse “Qualquer pessoa pode desenvolver talento?”; minha resposta seria um talvez, mas a rigor qualquer indivíduo que não detenha impedimentos sérios de ordem anatômica e fisiológica para uma dada tarefa; disponha dos estímulos e recursos ambientais adequados, e de preferencia, desde a infância, pode desenvolver um talento especial.

Questão 03) Existe uma idade para que a superdotação se manifeste?

Esse é também um ponto em que não existe consenso, pois há a concepção clássica defendida por alguns autores de que todo superdotado é também precoce. Portanto, os indicadores de superdotação já estariam presentes na infância. Por exemplo, Ellen Winner, importante referencial teórico no campo, coloca que as características básicas de um superdotado são: autodidatismo, criatividade, estilo pessoal de aprendizado, motivação ou fúria em aprender, rápido progresso na área de domínio e a precocidade. De fato, é muito convidativo pensar que todos os superdotados sejam também precoces, alguns até prodígios (quando a habilidade da criança em uma tarefa alcança o mesmo nível de desenvolvimento de um adulto). Porém, será mesmo que é sempre assim?

Não concordo inteiramente com essa compreensão, mesmo que a força estatística aponte para superdotados sempre precoces. Pois existem casos de pessoas que por não terem tido acesso a uma determinada oportunidade, recursos e suficiente tempo para desenvolvimento de suas capacidades, ou ainda, inacessibilidade total aos meios necessários que as mesmas se manifestem na infância, podem apenas na fase adulta apresentar suas aptidões quando as condições ambientais se tornarem favoráveis. Outro aspecto importante, existem notáveis flutuações no QI de crianças até os 12 anos. De maneira que uma criança possa ter sido enquadrada como superdotada em uma primeira medição, mas em um segundo momento quando estiver mais velha, fazendo nova mensuração seja constado que ela não seja.

Corroborando nesse argumento, vejamos a definição de J. Renzulli sobre o tema: “A superdotação é uma condição ou um comportamento que pode ser desenvolvido em algumas pessoas (naquelas que apresentam alguma habilidade superior à media da população), em certas ocasiões (por exemplo, somente na infância, ou apenas em alguma série escolar ou em um momento da vida) e sob certas circunstâncias (e não em todas as circunstâncias da vida de uma pessoa)”. Portanto, tal concepção mais atualizada desse fenômeno demonstra que a superdotação, apesar de ter forte componente genético, não tem essencialmente sua manifestação atrelada a infância e pode “aparecer” em qualquer fase da vida.

Questão 04) Como constatar essa disposição em crianças?

Essa sua questão nos remete a aspectos bastante práticos e que demandam poder de observação de professores e pais. Normalmente tudo começa com a desconfiança dos pais ou dos professores de que o comportamento da criança e do adolescente destoa dos demais e vou elencar diversas situações poderiam fomentar isso como: o resultado acadêmico do aluno ser notável;  detém alguma habilidade muito especial que “salta aos olhos”,  apresenta interesses muito  particulares; tem motivação forte e intrínseca por algo; processa informações rapidamente  (criança que “pega tudo no ar”); apresenta vocabulário avançado para sua idade; tem nível de curiosidade e/ou questionamento maior; formula conceitos ou ideias por caminhos incomuns, criativos e bem próprios; mostra resistência em aceitar respostas prontas e imperfeitas (que normalmente seriam aceitas pela maioria dos indivíduos); busca pela lógica e nexo de causalidade em tudo; tem pensamento organizado; muito exigente consigo mesmo; normalmente com senso de ética e justiça acima da média; facilidade em se concentrar e terminar as tarefas que lhe são administradas; revela independência e autodidatismo desde cedo;  possui senso de humor incomum e requintado (ácido,  gentil ou ambos conforme o contexto e as pessoas); com grandes expectativas para si e para os outros; maior capacidade mnemônica, entre outros aspectos. Contudo, não raro o aluno se entendia demais em sala e pode até apresentar comportamentos de rebeldia ou apatia em sala. Por incrível que pareça, muitos superdotados abandonam a escola, o que pode parecer contraditório para o senso comum. É preciso muito cuidado, pois são as nuances que darão o tom para cada caso e permitirão diferenciar se uma indisciplina em sala é motivada pela incompreensão de um conteúdo ou se deve a desmotivação de alguém cujo ritmo e poder de compreensão está além de seus pares.

Portanto, dois caminhos são possíveis para identificação de um superdotado: a aplicação dos clássicos testes de inteligência, muito controversos por sinal quando únicos para avaliação, mas também podemos ir pelo caminho de uma avaliação pedagógica que se foca principalmente em aspectos comportamentais, tais como elenquei acima.

Como já havia dito, gosto muito de todo o trabalho de Joseph Renzulli e o mesmo possui um modelo de identificação que chama de “Portas Giratórias” justamente voltado para essa identificação e envolve seis passos fundamentais: 1) Indicação por meio de testes (tais como o WISC IV); 2) Indicação por meio de professores (podem usar para esse trabalho a Escala para Avaliação das Características Comportamentais dos Alunos com Habilidades Superiores – SCRBSS revisada); 3) Caminhos Alternativos (compreendem outros instrumentos que podem ser empregados como nomeação por colegas, auto nomeação, testes de criatividade…); 4) Indicações especiais (baseando-se no histórico dos alunos que hoje não tenham um bom rendimento por alguma contingencia existencial, mas que no passado tenha manifestado indicadores de SD/AH); 5) Indicação por meio da informação da ação (cujo o aspecto considerado é a motivação do aluno); 6) Notificação e Orientação dos pais. Portanto, acredito que esse é o modelo mais completo para identificação de jovens com SD/AH, resultando em encaminhamento e acompanhamento.

Outros instrumentos de estrutura mais breve também podem ser aplicados, alguns como resultados de tese doutorais ou mesmo pesquisas autorais independentes. Vou citar mais dois que acredito serem bastante úteis em um primeiro momento de avaliação. O instrumento desenvolvido por Jane Chagas em sua tese doutoral Adolescentes talentosos (2008) compreende uma “Lista de Habilidades, Interesses, Preferências e Estilos de Aprendizagem” permite aos professores e pais analisarem em  adolescentes os indicadores de superdotação. Outro trabalho digno de menção dentro dessa mesma perspectiva pedagógica é o das pesquisadoras Soraia Napoleão e Susana Freitas existente  no livro “Altas Habilidades / Superdotação – atendimento especializado”, pois existem questionários voltados para os pais, professores e para os próprios alunos, capazes de fornecer um suporte bastante válido na determinação dos indicadores de superdotação.

Questão 05) Quais os cuidados que devem ser tomados para o desenvolvimento da superdotação?

Esse é realmente um ponto fundamental. Minha resposta mais simples e direta é: investir no enriquecimento escolar e ambiental, promover aceleração quando possível e criar grupos de habilidades. O superdotado tem necessidades próprias, uma sede por conhecimentos, particulares ou gerais, muito grande. Não se conforma com pouco, busca sempre mais, tem nível (quantidade e qualidade) de leitura acima da média, comumente busca conversa com pessoas mais velhas ou técnicas em um assunto, visitar e frequentar locais onde sua curiosidade por saber e desenvolvimento possam ser viabilizados. Como uma vez Piaget disse ao ser perguntado sobre qual a melhor metodologia para o ensino dos alunos e ele disse que não existia um método pior ou melhor em si mesmo, mas o método mais adequado para cada caso. E por isso, para um SD/AH temos que ter os métodos ou procedimentos adequados que em linhas gerais, resumiremos em 3 ações principais:

Aceleração. Compreende o cumprimento de um programa curricular em menor tempo. Ou seja, não ter que obrigar um aluno que consegue apreender os conhecimentos de uma série em metade, um terço do tempo, ou ainda, muito mais rápido, a ter que seguir um ritmo que não é compatível ao seu ritmo interno. Oferecer oportunidades curriculares mais compactas não é um privilégio, mas um direito pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). Muitos alegam que acelerar uma criança prejudicaria sua infância, porém diversos estudos com estudantes academicamente mais competentes não evidenciaram prejuízos. Claro, todo caso é um caso, mas não podemos ignorar essa alternativa que é feita com muita naturalidade em países do primeiro mundo.
Enriquecimento. Compreende um conjunto de experiências e serviços agregados ao currículo que sejam variadas e efetivas na estimulação cognitiva do sujeito no intento de fazê-lo atingir uma desempenho melhor, a partir de desafios compatíveis com as habilidades do aluno. É importante que o enriquecimento, enquanto programa ocorra no contraturno escolar,  com abordagens de complexidades coerentes e ascendentes. Podendo ser realizado dentro dos conteúdos curriculares; dentro de contextos de aprendizagens específicos ou por projetos independentes. Nesse sentido recomendo que os professores estudem os tipos de enriquecimento I (atividades exploratórias), II (atividades de treinamento) e III (investigação e grupos de interesse) que J. Renzulli propõe.
Grupos de Habilidades. Consiste o agrupamento de indivíduos em grupos específicos de habilidades sejam em escolas especiais ou em classes especiais, ou ainda, em grupos pequenos dentro de uma sala regular. Nesses agrupamentos os sujeitos recebem atenção diferenciada. Muitos educadores criticam qualquer tipo de segregação, como se representasse uma forma de privilegiar uns em detrimento de outros, porém não dar a atenção, oportunidades, recursos e desafios para que um aluno SD/AH se desenvolva compreende um profundo desrespeito. Minha opinião é favorável aos grupos de habilidades, mas mantendo o convívio com os demais alunos, sem que se transpareça qualquer tipo de favoritismo com base na capacidade intelectiva, mas sim um atendimento diferenciado com base nas necessidades de aprendizagem de cada. Ora, isso já é feito com outros grupos escolares da educação especial, no caso portadores de deficiências, porque não investir naqueles com superdotação. É uma questão de isonomia.
Entretanto, diversos cuidados gerais são essenciais, não temos como esgotar o tema agora, mas vou citar o que considero condições sine qua non:

I)  Oferecer um ambiente domiciliar culturalmente ubíquo e estimulante, pois o superdotado gosta de ser estimulado e desafiado. Contudo, sem pressionar a criança ou adolescente em uma lógica de competição ou produtivismo. Nossos filhos não podem ser projeções de nossos desejos irrealizados.
II)  Saber se a escola dele é capaz de atendê-lo em suas necessidades e interesse, caso não seja, busque outra escola mais completa.
III)  Buscar algum programa de atendimento especializado em sua cidade, mas infelizmente são poucos os programas desse tipo no Brasil. Na impossibilidade de um programa, é interessante buscar o acompanhamento de um psicólogo ou psicopedagogo com especialidade em superdotação.
IV)  Estar atento às habilidades, preferencias, interesses, necessidades e estilos de aprendizagem do jovem, no sentido de melhor corresponder e fomentar seus potenciais e competências.
V)  Buscar sempre discutir os aspectos morais e éticos do uso dos conhecimentos e tecnologias, bem como os impactos sobre a sociedade. É imprescindível que o desenvolvimento cognitivo seja acompanhado pelo desenvolvimento moral. Sugiro conhecer o pensamento de Lawrence Kohlberg acerca desse assunto.
VI)  Informar-se o máximo possível sobre o assunto. Existe muita literatura de qualidade no setor, seja em nível nacional ou internacional.
VII)  Associar-se, se possível, com grupos de discussão orientados aos pais. Por exemplo, na UNESP Marília/SP, existe um programa (PAPAHS) coordenado pelo Prof. Miguel Chacon em que durante o período que as crianças / adolescentes recebem atenção especializada na universidade, os pais também participam de atividades de instrução (palestras) ou ainda das mesmas oficinas de enriquecimento que seus filhos, a fim de compreenderem melhor a natureza e dificuldades das mesmas. É uma aproximação entre universidade-pais-filhos que tem trazido resultados maravilhoso.

Nunca devemos esquecer que crianças e adolescentes superdotados são, antes de tudo, crianças e adolescentes. Portanto, reconhecer suas necessidades e potenciais não é segregacionismo, mas respeito a dignidade humana e um processo de construção que o Brasil ainda tem muito pela frente.

Questão 06) Um superdotado pode sofre um reversão, deixar essa propensão com conta de seu ambiente?

É muito difícil em condições normais que uma pessoa deixe de manifestar os comportamentos de superdotação, mesmo porque tais características são inatas e normalmente apresentáveis ainda na primeira infância. Contudo, urge considerar que o empobrecimento ambiental quando muito incisivo pode trazer danos ao desenvolvimento cognitivo de qualquer sujeito. Cito um exemplo interessante, quando em 1966 o líder da Romênia lançou um decreto com o intento de aumentar a população de seu país proibindo abortos e contraceptivos e que famílias com menos de 5 filhos deveriam pagar imposto de celibato, as consequências foram drásticas. Ocorreu uma explosão demográfica que trouxe por consequência abandono de 170 mil crianças que precisaram ser institucionalizadas. Os efeitos da institucionalização em seus cérebros foram dramáticos, sendo que pesquisas mensuraram os impactos: a) quanto mais cedo à institucionalização, menor o quociente de desenvolvimento (índice análogo ao QI), havendo em muitos casos aproximação da pontuação com níveis de retardamento; b) apenas 18% das crianças conseguiam fazer conexões seguras e vínculos emocionais; c) 100% tinham menor volume cerebral, com redução importante da massa cinzenta; d) geralmente as crianças que passavam algum tempo institucionalizadas apresentavam redução em suas sequencias teloméricas (terminação cromossomial), condição que existente tipicamente em adultos que sofreram extremos de estresses psicológicos.

Portanto, qualquer pessoa, superdotada ou não, pode ser impactada quando o acesso a recursos culturais, estímulos, boa alimentação, investimento narcísico/amoroso, entre outros fatores estiverem escassos significativamente. Sendo assim, os estudos têm apontado apenas para contextos desse tipo como capazes de sucumbir as potencialidades de um indivíduo. Como biólogo, tenho uma visão neurocientífica acerca dos impactos positivos ou negativos do ambiente sobre a expressão gênica, especialmente no que tange a configuração das assembleias neurais e toda a rede conectômica da arquitetura cerebral. A plasticidade cerebral está aberta durante a vida, pois todos os dias neurônios morrem e são produzidos (a multiplicação se dá principalmente no hipocampo), bem como sinapses são feitas e desfeitas.

Outro aspecto que não pode ser esquecido, referem-se às situações dos sujeitos que escondem seus comportamentos de superdotação, a fim de serem aceitos em um grupo. Tal ocorrência infelizmente é mais comum do que se imagina, visto que a sociedade ainda está despreparada para compreender e respeitar a superdotação, sem eiva-la de estereótipos. Por isso, o sujeito mesmo sem perder suas características, reprime-as para melhor conviver em meio aos preconceitos sociais.

Precisamos entender que superdotados são grupos heterogêneos, quando do tipo acadêmicos têm raciocínio geral mais rápida, maior desempenho mnemônico e aprendizagem mais acelerada, como características marcantes em sua(s) área(s) de domínio(s), e quando do tipo criativo, um nível de pensamento divergente, visão obliqua do mundo e produção inovadora que é notável, porém não está integralmente imune a um menor desenvolvimento quando atravessado por forças dirimidoras de suas potencialidades. Agora, deixo uma pergunta e reflexão para o leitor: – Quantas crianças e adolescentes nesse país com indicadores ou não de superdotação não teriam fortemente prejudicado seus desenvolvimentos cognitivos em decorrência do abandono social?

Questão 07) Na prática, o que deveria ser feito para se aproveitar melhor esses indivíduos, principalmente nas instituições de ensino públicas?

Inicialmente é importante ressaltar que o Brasil não tem feito esforços suficientes no sentido de captar as melhores mentes, especialmente para pesquisa. O que existe na verdade é uma grande “fuga de cérebros” que atraídos pelas oportunidades salariais e também realização pessoal através possibilidade de pesquisar algo de vanguarda em um laboratório avançado  em outros países, saem do Brasil em busca de grandes oportunidades. Uma das formas de demonstrar o quão débil é o nosso poder de pesquisa e inovação que, apesar de termos uma grande produtividade na geração de artigos científicos, o número de patentes ou produtos novos gerados pela pesquisa ainda é tímida. Infelizmente, nossa perda de superdotados é algo recidivo há décadas.

Sou plenamente a favor da identificação precoce de estudantes com superdotados e no oferecimento para esses de um enriquecimento curricular ou escolar no contraturno escolar. De maneira que pudéssemos acompanhar tais alunos desde os anos iniciais de escolarização em instituições especializadas para tal. Não se trata de uma segregação educacional ter escolas ajustadas às necessidades especiais de alunos, visto que programas assim ocorreriam/ocorrem no contraturno em diversos países. É preciso entender que um superdotado sofre tanto quanto um sujeito que manifeste qualquer transtorno de aprendizagem, no que se refere a não ter contemplado suas necessidades particulares.

A existência dos NAAH/S (Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação) compreendeu um passo importante, mas comparado a outros países, o Brasil tem um nível de acompanhamento ou atenção especializada de pouco alcance. Por exemplo, não se tem um estudo brasileiro de larga escala para identificação de alunos com essas características nas escolas, o que temos é uma estimativa tendo por base a média mundial de 3-5% de pessoas superdotadas, mas isso é muito pouco.

Os professores, em sua esmagadora maioria, têm pouquíssimos conhecimentos técnicos sobre o assunto, muito menos treinamento para lidar com alunos superdotados. Ou seja, educação que está na periferia das preocupações das políticas públicas, tem ainda a educação especial para superdotados como periferia das políticas educacionais. Com nível tão baixo de prioridade, os programas de atenção ficam restritos a iniciativas muito mais de ordem pessoal dos professores universitários que se dedicam ao tema do que de uma iniciativa governamental séria e ampla que busque levar informação aos professores de todas as escolas.

O Brasil precisa de um programa nacional efetivo para atender os superdotados, com espaços e cursos de treinamento ou formação de professores regularmente. Evidentemente, isso demanda recursos, mas também estratégias de ação de médio e longo prazo. É preciso que o enriquecimento escolar, a aceleração e os grupos de interesses / habilidades sejam uma realidade concreta nas escolas, não apenas no ensino fundamental e médio, mas também nas universidades. Contudo, é preciso criar massa crítica, não apenas na docência, mas em toda sociedade. É um caminho longo, mas enquanto estivermos fora da estrada ou a lentos passos, a distância entre nosso país e os demais que têm investimento expressivo no campo será cada vez maior.

Questão  08) Queria que os senhor falasse um pouco do seu estudo e o que ele pode impactar nessa área.

Meu estudo alinha-se em três frentes: o enriquecimento escolar, o desenvolvimento moral e a estimulação das memórias de curto prazo / operacional para melhoria no desempenho acadêmico. Trabalho com alunos com diferentes níveis intelectivos, de maneira que busco analisar se o impacto de um programa de enriquecimento escolar afeta o comportamento, o rendimento e, inclusive, o QI do sujeito. Fazemos medições do QI antes e depois da intervenção e buscamos observar se existem mudanças mensuráveis. Paralelo a isso, temos grupos que além do enriquecimento escolar também frequentam um programa de estimulação das memórias de curto prazo e operacional para comparar se a memória estimulada potencializaria a(s) inteligência(s) dos indivíduos.

Ainda mais, temos grupos que passam por um tipo de enriquecimento escolar na perspectiva do desenvolvimento moral. Ou seja, desejo averiguar se adolescentes que participam regularmente de discussões morais, principalmente por meio de dilemas morais na perspectiva de Kohlberg podem elevar seu juízo moral mensurável por avaliação específica após alguns meses de enriquecimento. Sendo que nessa frente da pesquisa, avalio por meio de testes de competência moral se existe avanço na escala de desenvolvimento moral kohlberguiana (a escala vai do estágio 01 ao 06) e se temos condições de avaliar se o juízo moral se correlaciona estatisticamente com o resultado em um teste de inteligência psicométrico.

Enfim, acredito que posso resumir meus problemas de pesquisa nas seguintes questões: I) O Enriquecimento Escolar afeta o comportamento, rendimento acadêmico e o próprio QI?; II) O estímulo das memórias de curto prazo e operacionais também afetariam o poder cognitivo de maneira mensurável por testes? III) A  moral e inteligência têm correlação demonstrável?  Portanto, essas questões fundamentais, quando respondidas, e espero, com resultados favoráveis, podem impactar e inspirar os modelos de ensino de maneira significativa.

Você já pensou se todas as escolas tivessem programas de promoção cognitiva paralelo ao currículo, especialmente quanto a estimulação da memória? Ou ainda, se todas as escolas seguissem o modelo de enriquecimento escolar amplo, que alcançasse a todos, superdotados ou não? E se todas as escolas tivessem programas organizados em desenvolvimento moral? Parto do princípio que tudo isso é importante, na verdade fundamental para melhoria da aprendizagem dos alunos, bem como, de nosso processo civilizatório. Busco a maior associação possível dos conhecimentos da neurociência cognitiva com a educação, pois não podemos continuar no século XXI com uma modelo escolar do século XIX.


 Por Igor Paim.

* Texto publicado originalmente no site
Vida de Estudante em 19 de março de 2015.






Igor de Moraes Paim é Doutorando em Educação, (UNESP – Marília), Mestre em Ensino de Ciências e Matemática (UFC), Bacharel em Direito (UFC), Licenciado em Ciências Biológicas (UECE) e Professor do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Ceará.