O texto não é ligado diretamente a Conscienciologia mas tem relação com a área da Mentalsomática.
Entrevista com Igor Paim
Questão 01) Qual a definição mais correta da superdotação?
Definir superdotação sempre foi complicado, pois existem vertentes
que compreendem a condição de superdotado como validada pela mensuração
quantitativa de testes psicométricos, de forma que quem apresentar um
resultado na faixa superior de 5% da população, ou ainda, que tiver um
QI acima de 130, poderia ser considerado superdotado. Essa concepção é
problemática por diversos aspectos, primeiro porque existe limitação
existente no próprio teste, pois se discute se o que o teste mede é
mesmo inteligência e, mesmo sendo, como assegurar que está medindo
integralmente a inteligência de uma pessoa?
O que acaba nos remetendo a outro problema, relativo ao conceito de
inteligência, visto que nos testes clássicos a inteligência é entendida
como uma faculdade geral e única da mente, o que conflitua com outros
modelos de inteligência, como por exemplo, o modelo das inteligências
múltiplas. Dessa forma, um teste paramétrico não avaliaria inteligências
como a intrapessoal, interpessoal, musical, existencial, dentre outras
propostas por Howard Gardner em seu livro Estruturas da Mente (1983). Só
para se ter uma ideia, segundo estimativas, o fato de contemplarmos
outros módulos de inteligência elevam para dez ou quinze por cento o
número de superdotados na população em geral e não apenas os 3-5%
validados pelos testes convencionais (ver relatório Marland de 1972).
Portanto, temos que ter em mente que os conceitos de inteligência e
superdotação estão obviamente ligados e interdependentes, não há como
dizer que alguém é superdotado se eu não souber ou entender melhor o que
é inteligência. Outros fatores contribuem a desfavorecer os testes
clássicos, como o estado emocional, variações fisiológicas naturais,
ocorrência de doenças no dia do teste que podem fazer com que o
indivíduo tenha seu rendimento diminuído significativamente. Veja bem,
eu não sou totalmente contra os testes paramétricos, apenas acho que o
diagnóstico exclusivamente por eles pode trazer resultados falso negativos terríveis,
como um indivíduo que tenha diversos indicadores de superdotação, mas
que não tenha obtido um bom resultado no teste seja desconsiderado em
participar de um programa de acompanhamento e enriquecimento curricular,
por exemplo. Acredito que avaliações multimodais seja o melhor caminho.
Então, o que eu considero como definição mais ampla para
superdotação? Elegi a proposta de Joseph Renzulli como referencial
teórico, pois segundo este norte-americano, o indivíduo superdotado é
aquele que apresenta três grandes predicados, em um modelo chamado dos 3
anéis:
I) Desenvolvimento em alguma(s) área(s) do conhecimento (isoladas ou combinadas) acima da média. O superdotado tem uma capacidade que “salta aos olhos”, não passa despercebido. Nisso compreendem habilidades gerais (processamento e apreensão de informações, adequação a novas situações, abstração, velocidade de raciocínio, entre outras) e habilidades específicas (capacidades adquirir conhecimentos, práticas e agilidade em alguma área do conhecimento).
II) Notório envolvimento com a tarefa, ou seja, a
motivação como força motriz para a realização de seus intentos. Um
superdotado tem perseverança, dedicação e autoconfiança em seus
empreendimentos.
III) A criatividade é o terceiro grande predicado,
pois compreende uma forma divergente de pensamento frente aos problemas,
fatos e fenômenos do mundo, de maneira mais obliqua, que se contraponha
ao pensamento médio prevalente. Nota-se que nisso estão presentes a
fluência, flexibilidade, curiosidade e maneiras de ver ou encarar as
coisas para além do senso comum.
Além disso, Renzulli acrescenta a discussão dois tipo de
superdotados, o acadêmico e o criativo-produtivo. O primeiro corresponde
ao perfil clássico no imaginário popular, ou seja, aquele aluno
excelente academicamente; amplo vocabulário; perseverante; ótima
memória; ampla leitura, especialmente em livros técnicos; gosta do
ambiente escolar; facilidade em aprender, dentre outras características
que falaremos mais a frente. Enquanto que o superdotado
criativo-produtivo é um tipo particular que tende a aplicar os
conhecimentos de maneira mais indutiva, integrada, voltada para
problemas reais, uma espécie de aprendiz de primeira-mão. O
criativo-produtivo nem sempre tem um QI superior; pensa bastante por
analogias; tem nível de criatividade notável; dá pouco valor as
convenções; aplica-se no desenvolvimento de produtos e ideias originais;
não gosta de rotina; tende a fantasiar mais; ampla diversidade de
interesses; tem nível de produtividade prática maior; vê ordem em meio
ao caos; mais detalhista; tem mais insights; apresenta maior
envolvimento emocional; maior nível de sensibilidade/empatia e demandam
de mais suporte ou apoio dos pais/professores para canalizarem suas
energias. Observe que o tipo criativo, ao longo da história, foi muito
menos valorizado que o tipo acadêmico dentro das escolas.
Importante considerar que como pano de fundo, mas não menos
importantes, estão os “aspectos sociais” que permeiam a existência do
indivíduo e, portanto, precisam ser minimamente salutares para que a
vida social não obstaculize ou reprima as potencialidades. Nisso
compreendem as oportunidades, convivialidade, laços afetivos, entre
outros, necessários à manifestação plena dos atributos do indivíduo.
É também fundamental que se entenda que os superdotados são um grupo
muito heterogêneo, longe daqueles estereótipos clássicos de ser um
indivíduo altamente desenvolvido em várias áreas do conhecimento, “bom
em tudo” e que não precisaria de ajuda, pois ele mesmo se bastaria. Essa
assincronia de capacidades, torna cada indivíduo uma singularidade para
atenção especial.
Por fim, acho importante fazer uma última distinção que se refere ao
conceito de gênio que tem sido empregado de maneiras bastante
equivocadas. Alguns pensam que gênio seria uma espécie “super superdotado”,
porém não é isso. Gênio é um termo de reconhecimento para as pessoas
que realizaram uma contribuição significativa ou impactante para
transformação de um campo do conhecimento, ao ponto que depois dele as
coisas não podem ser como eram antes. Diversos exemplos históricos podem
ser elencados: Beethoven, Einstein, Picasso; Marie Curie…
Questão 02) Qualquer pessoa pode desenvolver a superdotação? É possível tornar alguém superdotado?
Essa pergunta é também delicada e muita confusão já foi feita nesse
aspecto, mas a resposta é não. Primeiro, a superdotação não é algo que
se programe, se extraia de uma pessoa a partir de treinamento ou mesmo
educação concentrada. A superdotação se manifesta espontaneamente, é um
atributo inato, genético, não treinado, mas que precisa de um grande
aporte de condições ambientais favoráveis para alcançar sua plenitude.
Não quero que com isso as pessoas pensem que eu tenho um discurso
elitista, mas é preciso reconhecer o fato de que o superdotado tem um
conjunto de qualidades e necessidades especiais.
Por outro lado, podemos lembrar que François Gagné fez importantes trabalhos na área e distinguiu dotação de talento,
pois o talento compreende um domínio notável de capacidades
(habilidades) e conhecimentos sistematicamente desenvolvidos em pelo
menos em uma área ou domínio de atividade humana. É possível, segundo o
autor, desenvolver o indivíduo e coloca-lo dentro do percentual
populacional de 3-5% dos indivíduos da mesma idade com habilidades
superiores à média. Portanto, talento é algo que se treina, se
desenvolve; mas superdotação não. Urge ressaltar que alguns
pesquisadores atualmente acabam por dizer superdotação e talento são a
mesma coisa, eu não concordo com esse entendimento.
É possível que muitos pais, ávidos por verem seus filhos se
destacarem e terem sucesso, acreditem que poderiam fazê-los se tornar
“gênios” em alguma área do conhecimento, tal como o pai de Mozart teria
feito. Isso é um grande mito. Mozart já era superdotado, porém as
condições extremamente favoráveis permitiram que o seu desenvolvimento
alcançasse um máximo. É possível por meio do treinamento fazer alguém se
aprimorar notavelmente em alguma área do conhecimento a ponto de que a
mesma seja confundida com um superdotado, mesmo sendo apenas talentosa.
Poderia elucubrar um exemplo, digamos que se tenham dois pianistas
aqui, um superdotado e outro talentoso. É possível que o talentoso, que
fora bem treinado, tenha até mais habilidade de execução de uma peça de
pianística que o superdotado. Porém, as diferenças que separam o
superdotado do talentoso estão no tempo e esforço desprendido para o
domínio da técnica e no nível de criatividade para criar / arranjar
peças musicais. Quando nos lembramos de gênios da música como Mozart,
Beethoven, Liszt e tantos outros fica patente as habilidades dos mesmos
em execução musical, mas todos eles foram além do virtuosismo, criaram
peças extraordinárias e impactaram a humanidade. O superdotado não
precisa necessariamente se tornar um gênio, conforme já diferenciamos,
mas se o mesmo não tiver a criatividade como centelha para deflagrar um
incêndio criativo, o mesmo não é superdotado.
Portanto, se sua pergunta fosse “Qualquer pessoa pode desenvolver talento?”; minha resposta seria um talvez,
mas a rigor qualquer indivíduo que não detenha impedimentos sérios de
ordem anatômica e fisiológica para uma dada tarefa; disponha dos
estímulos e recursos ambientais adequados, e de preferencia, desde a
infância, pode desenvolver um talento especial.
Questão 03) Existe uma idade para que a superdotação se manifeste?
Esse é também um ponto em que não existe consenso, pois há a
concepção clássica defendida por alguns autores de que todo superdotado é
também precoce. Portanto, os indicadores de superdotação já estariam
presentes na infância. Por exemplo, Ellen Winner, importante referencial
teórico no campo, coloca que as características básicas de um
superdotado são: autodidatismo, criatividade, estilo pessoal de
aprendizado, motivação ou fúria em aprender, rápido progresso na área de
domínio e a precocidade. De fato, é muito convidativo
pensar que todos os superdotados sejam também precoces, alguns até
prodígios (quando a habilidade da criança em uma tarefa alcança o mesmo
nível de desenvolvimento de um adulto). Porém, será mesmo que é sempre
assim?
Não concordo inteiramente com essa compreensão, mesmo que a força
estatística aponte para superdotados sempre precoces. Pois existem casos
de pessoas que por não terem tido acesso a uma determinada
oportunidade, recursos e suficiente tempo para desenvolvimento de suas
capacidades, ou ainda, inacessibilidade total aos meios necessários que
as mesmas se manifestem na infância, podem apenas na fase adulta
apresentar suas aptidões quando as condições ambientais se tornarem
favoráveis. Outro aspecto importante, existem notáveis flutuações no QI
de crianças até os 12 anos. De maneira que uma criança possa ter sido
enquadrada como superdotada em uma primeira medição, mas em um segundo
momento quando estiver mais velha, fazendo nova mensuração seja constado
que ela não seja.
Corroborando nesse argumento, vejamos a definição de J. Renzulli sobre o tema: “A
superdotação é uma condição ou um comportamento que pode ser
desenvolvido em algumas pessoas (naquelas que apresentam alguma
habilidade superior à media da população), em certas ocasiões (por
exemplo, somente na infância, ou apenas em alguma série escolar ou em um
momento da vida) e sob certas circunstâncias (e não em todas as
circunstâncias da vida de uma pessoa)”. Portanto, tal concepção mais
atualizada desse fenômeno demonstra que a superdotação, apesar de ter
forte componente genético, não tem essencialmente sua manifestação
atrelada a infância e pode “aparecer” em qualquer fase da vida.
Questão 04) Como constatar essa disposição em crianças?
Essa sua questão nos remete a aspectos bastante práticos e que
demandam poder de observação de professores e pais. Normalmente tudo
começa com a desconfiança dos pais ou dos professores de que o
comportamento da criança e do adolescente destoa dos demais e vou
elencar diversas situações poderiam fomentar isso como: o resultado
acadêmico do aluno ser notável; detém alguma habilidade muito especial
que “salta aos olhos”, apresenta interesses muito particulares; tem
motivação forte e intrínseca por algo; processa informações rapidamente
(criança que “pega tudo no ar”); apresenta vocabulário avançado
para sua idade; tem nível de curiosidade e/ou questionamento maior;
formula conceitos ou ideias por caminhos incomuns, criativos e bem
próprios; mostra resistência em aceitar respostas prontas e imperfeitas
(que normalmente seriam aceitas pela maioria dos indivíduos); busca pela
lógica e nexo de causalidade em tudo; tem pensamento organizado; muito
exigente consigo mesmo; normalmente com senso de ética e justiça acima
da média; facilidade em se concentrar e terminar as tarefas que lhe são
administradas; revela independência e autodidatismo desde cedo; possui
senso de humor incomum e requintado (ácido, gentil ou ambos conforme o
contexto e as pessoas); com grandes expectativas para si e para os
outros; maior capacidade mnemônica, entre outros aspectos. Contudo, não
raro o aluno se entendia demais em sala e pode até apresentar
comportamentos de rebeldia ou apatia em sala. Por incrível que pareça,
muitos superdotados abandonam a escola, o que pode parecer contraditório
para o senso comum. É preciso muito cuidado, pois são as nuances que
darão o tom para cada caso e permitirão diferenciar se uma indisciplina
em sala é motivada pela incompreensão de um conteúdo ou se deve a
desmotivação de alguém cujo ritmo e poder de compreensão está além de
seus pares.
Portanto, dois caminhos são possíveis para identificação de um
superdotado: a aplicação dos clássicos testes de inteligência, muito
controversos por sinal quando únicos para avaliação, mas também podemos
ir pelo caminho de uma avaliação pedagógica que se foca principalmente
em aspectos comportamentais, tais como elenquei acima.
Como já havia dito, gosto muito de todo o trabalho de Joseph Renzulli
e o mesmo possui um modelo de identificação que chama de “Portas
Giratórias” justamente voltado para essa identificação e envolve seis
passos fundamentais: 1) Indicação por meio de testes (tais como o WISC IV); 2) Indicação por meio de professores
(podem usar para esse trabalho a Escala para Avaliação das
Características Comportamentais dos Alunos com Habilidades Superiores –
SCRBSS revisada); 3) Caminhos Alternativos (compreendem outros instrumentos que podem ser empregados como nomeação por colegas, auto nomeação, testes de criatividade…); 4) Indicações especiais
(baseando-se no histórico dos alunos que hoje não tenham um bom
rendimento por alguma contingencia existencial, mas que no passado tenha
manifestado indicadores de SD/AH); 5) Indicação por meio da informação da ação (cujo o aspecto considerado é a motivação do aluno); 6) Notificação e Orientação dos pais.
Portanto, acredito que esse é o modelo mais completo para identificação
de jovens com SD/AH, resultando em encaminhamento e acompanhamento.
Outros instrumentos de estrutura mais breve também podem ser
aplicados, alguns como resultados de tese doutorais ou mesmo pesquisas
autorais independentes. Vou citar mais dois que acredito serem bastante
úteis em um primeiro momento de avaliação. O instrumento desenvolvido
por Jane Chagas em sua tese doutoral Adolescentes talentosos (2008)
compreende uma “Lista de Habilidades, Interesses, Preferências e
Estilos de Aprendizagem” permite aos professores e pais analisarem em
adolescentes os indicadores de superdotação. Outro trabalho digno de
menção dentro dessa mesma perspectiva pedagógica é o das pesquisadoras
Soraia Napoleão e Susana Freitas existente no livro “Altas Habilidades /
Superdotação – atendimento especializado”, pois existem questionários
voltados para os pais, professores e para os próprios alunos, capazes de
fornecer um suporte bastante válido na determinação dos indicadores de
superdotação.
Questão 05) Quais os cuidados que devem ser tomados para o desenvolvimento da superdotação?
Esse é realmente um ponto fundamental. Minha resposta mais simples e
direta é: investir no enriquecimento escolar e ambiental, promover
aceleração quando possível e criar grupos de habilidades. O superdotado
tem necessidades próprias, uma sede por conhecimentos, particulares ou
gerais, muito grande. Não se conforma com pouco, busca sempre mais, tem
nível (quantidade e qualidade) de leitura acima da média, comumente
busca conversa com pessoas mais velhas ou técnicas em um assunto,
visitar e frequentar locais onde sua curiosidade por saber e
desenvolvimento possam ser viabilizados. Como uma vez Piaget disse ao
ser perguntado sobre qual a melhor metodologia para o ensino dos alunos e
ele disse que não existia um método pior ou melhor em si mesmo, mas o método mais adequado para cada caso.
E por isso, para um SD/AH temos que ter os métodos ou procedimentos
adequados que em linhas gerais, resumiremos em 3 ações principais:
Aceleração. Compreende o cumprimento de um programa
curricular em menor tempo. Ou seja, não ter que obrigar um aluno que
consegue apreender os conhecimentos de uma série em metade, um terço do
tempo, ou ainda, muito mais rápido, a ter que seguir um ritmo que não é
compatível ao seu ritmo interno. Oferecer oportunidades curriculares
mais compactas não é um privilégio, mas um direito pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). Muitos alegam que
acelerar uma criança prejudicaria sua infância, porém diversos estudos
com estudantes academicamente mais competentes não evidenciaram
prejuízos. Claro, todo caso é um caso, mas não podemos ignorar essa
alternativa que é feita com muita naturalidade em países do primeiro
mundo.
Enriquecimento. Compreende um conjunto de
experiências e serviços agregados ao currículo que sejam variadas e
efetivas na estimulação cognitiva do sujeito no intento de fazê-lo
atingir uma desempenho melhor, a partir de desafios compatíveis com as
habilidades do aluno. É importante que o enriquecimento, enquanto
programa ocorra no contraturno escolar, com abordagens de complexidades
coerentes e ascendentes. Podendo ser realizado dentro dos conteúdos
curriculares; dentro de contextos de aprendizagens específicos ou por
projetos independentes. Nesse sentido recomendo que os professores
estudem os tipos de enriquecimento I (atividades exploratórias), II
(atividades de treinamento) e III (investigação e grupos de interesse)
que J. Renzulli propõe.
Grupos de Habilidades. Consiste o agrupamento de
indivíduos em grupos específicos de habilidades sejam em escolas
especiais ou em classes especiais, ou ainda, em grupos pequenos dentro
de uma sala regular. Nesses agrupamentos os sujeitos recebem atenção
diferenciada. Muitos educadores criticam qualquer tipo de segregação,
como se representasse uma forma de privilegiar uns em detrimento de
outros, porém não dar a atenção, oportunidades, recursos e desafios para
que um aluno SD/AH se desenvolva compreende um profundo desrespeito.
Minha opinião é favorável aos grupos de habilidades, mas mantendo o
convívio com os demais alunos, sem que se transpareça qualquer tipo de
favoritismo com base na capacidade intelectiva, mas sim um atendimento
diferenciado com base nas necessidades de aprendizagem de cada. Ora,
isso já é feito com outros grupos escolares da educação especial, no
caso portadores de deficiências, porque não investir naqueles com
superdotação. É uma questão de isonomia.
Entretanto, diversos cuidados gerais são essenciais, não temos como
esgotar o tema agora, mas vou citar o que considero condições sine qua non:
I) Oferecer um ambiente domiciliar culturalmente ubíquo
e estimulante, pois o superdotado gosta de ser estimulado e desafiado.
Contudo, sem pressionar a criança ou adolescente em uma lógica de
competição ou produtivismo. Nossos filhos não podem ser projeções de
nossos desejos irrealizados.
II) Saber se a escola dele é capaz de atendê-lo em suas
necessidades e interesse, caso não seja, busque outra escola mais
completa.
III) Buscar algum programa de atendimento especializado em
sua cidade, mas infelizmente são poucos os programas desse tipo no
Brasil. Na impossibilidade de um programa, é interessante buscar o
acompanhamento de um psicólogo ou psicopedagogo com especialidade em
superdotação.
IV) Estar atento às habilidades, preferencias, interesses,
necessidades e estilos de aprendizagem do jovem, no sentido de melhor
corresponder e fomentar seus potenciais e competências.
V) Buscar sempre discutir os aspectos morais e éticos do
uso dos conhecimentos e tecnologias, bem como os impactos sobre a
sociedade. É imprescindível que o desenvolvimento cognitivo seja
acompanhado pelo desenvolvimento moral. Sugiro conhecer o pensamento de
Lawrence Kohlberg acerca desse assunto.
VI) Informar-se o máximo possível sobre o assunto. Existe
muita literatura de qualidade no setor, seja em nível nacional ou
internacional.
VII) Associar-se, se possível, com grupos de discussão
orientados aos pais. Por exemplo, na UNESP Marília/SP, existe um
programa (PAPAHS) coordenado pelo Prof. Miguel Chacon em que durante o
período que as crianças / adolescentes recebem atenção especializada na
universidade, os pais também participam de atividades de instrução
(palestras) ou ainda das mesmas oficinas de enriquecimento que seus
filhos, a fim de compreenderem melhor a natureza e dificuldades das
mesmas. É uma aproximação entre universidade-pais-filhos que tem trazido
resultados maravilhoso.
Nunca devemos esquecer que crianças e adolescentes superdotados são,
antes de tudo, crianças e adolescentes. Portanto, reconhecer suas
necessidades e potenciais não é segregacionismo, mas respeito a
dignidade humana e um processo de construção que o Brasil ainda tem
muito pela frente.
Questão 06) Um superdotado pode sofre um reversão, deixar essa propensão com conta de seu ambiente?
É muito difícil em condições normais que uma pessoa deixe de
manifestar os comportamentos de superdotação, mesmo porque tais
características são inatas e normalmente apresentáveis ainda na primeira
infância. Contudo, urge considerar que o empobrecimento ambiental
quando muito incisivo pode trazer danos ao desenvolvimento cognitivo de
qualquer sujeito. Cito um exemplo interessante, quando em 1966 o líder
da Romênia lançou um decreto com o intento de aumentar a população de
seu país proibindo abortos e contraceptivos e que famílias com menos de 5
filhos deveriam pagar imposto de celibato, as consequências foram
drásticas. Ocorreu uma explosão demográfica que trouxe por consequência
abandono de 170 mil crianças que precisaram ser institucionalizadas. Os
efeitos da institucionalização em seus cérebros foram dramáticos, sendo
que pesquisas mensuraram os impactos: a) quanto mais cedo à
institucionalização, menor o quociente de desenvolvimento (índice
análogo ao QI), havendo em muitos casos aproximação da pontuação com
níveis de retardamento; b) apenas 18% das crianças conseguiam fazer
conexões seguras e vínculos emocionais; c) 100% tinham menor volume
cerebral, com redução importante da massa cinzenta; d) geralmente as
crianças que passavam algum tempo institucionalizadas apresentavam
redução em suas sequencias teloméricas (terminação cromossomial),
condição que existente tipicamente em adultos que sofreram extremos de
estresses psicológicos.
Portanto, qualquer pessoa, superdotada ou não, pode ser impactada
quando o acesso a recursos culturais, estímulos, boa alimentação,
investimento narcísico/amoroso, entre outros fatores estiverem escassos
significativamente. Sendo assim, os estudos têm apontado apenas para
contextos desse tipo como capazes de sucumbir as potencialidades de um
indivíduo. Como biólogo, tenho uma visão neurocientífica acerca dos
impactos positivos ou negativos do ambiente sobre a expressão gênica,
especialmente no que tange a configuração das assembleias neurais e toda
a rede conectômica da arquitetura cerebral. A plasticidade cerebral
está aberta durante a vida, pois todos os dias neurônios morrem e são
produzidos (a multiplicação se dá principalmente no hipocampo), bem como
sinapses são feitas e desfeitas.
Outro aspecto que não pode ser esquecido, referem-se às situações dos
sujeitos que escondem seus comportamentos de superdotação, a fim de
serem aceitos em um grupo. Tal ocorrência infelizmente é mais comum do
que se imagina, visto que a sociedade ainda está despreparada para
compreender e respeitar a superdotação, sem eiva-la de estereótipos. Por
isso, o sujeito mesmo sem perder suas características, reprime-as para
melhor conviver em meio aos preconceitos sociais.
Precisamos entender que superdotados são grupos heterogêneos, quando
do tipo acadêmicos têm raciocínio geral mais rápida, maior desempenho
mnemônico e aprendizagem mais acelerada, como características marcantes
em sua(s) área(s) de domínio(s), e quando do tipo criativo, um nível de
pensamento divergente, visão obliqua do mundo e produção inovadora que é
notável, porém não está integralmente imune a um menor desenvolvimento
quando atravessado por forças dirimidoras de suas potencialidades.
Agora, deixo uma pergunta e reflexão para o leitor: – Quantas crianças e
adolescentes nesse país com indicadores ou não de superdotação não
teriam fortemente prejudicado seus desenvolvimentos cognitivos em
decorrência do abandono social?
Questão 07) Na prática, o que deveria ser feito para se aproveitar
melhor esses indivíduos, principalmente nas instituições de ensino
públicas?
Inicialmente é importante ressaltar que o Brasil não tem feito
esforços suficientes no sentido de captar as melhores mentes,
especialmente para pesquisa. O que existe na verdade é uma grande “fuga
de cérebros” que atraídos pelas oportunidades salariais e também
realização pessoal através possibilidade de pesquisar algo de vanguarda
em um laboratório avançado em outros países, saem do Brasil em busca de
grandes oportunidades. Uma das formas de demonstrar o quão débil é o
nosso poder de pesquisa e inovação que, apesar de termos uma grande
produtividade na geração de artigos científicos, o número de patentes ou
produtos novos gerados pela pesquisa ainda é tímida. Infelizmente,
nossa perda de superdotados é algo recidivo há décadas.
Sou plenamente a favor da identificação precoce de estudantes com
superdotados e no oferecimento para esses de um enriquecimento
curricular ou escolar no contraturno escolar. De maneira que pudéssemos
acompanhar tais alunos desde os anos iniciais de escolarização em
instituições especializadas para tal. Não se trata de uma segregação
educacional ter escolas ajustadas às necessidades especiais de alunos,
visto que programas assim ocorreriam/ocorrem no contraturno em diversos
países. É preciso entender que um superdotado sofre tanto quanto um
sujeito que manifeste qualquer transtorno de aprendizagem, no que se
refere a não ter contemplado suas necessidades particulares.
A existência dos NAAH/S (Núcleo de Atividades de Altas
Habilidades/Superdotação) compreendeu um passo importante, mas comparado
a outros países, o Brasil tem um nível de acompanhamento ou atenção
especializada de pouco alcance. Por exemplo, não se tem um estudo
brasileiro de larga escala para identificação de alunos com essas
características nas escolas, o que temos é uma estimativa tendo por base
a média mundial de 3-5% de pessoas superdotadas, mas isso é muito
pouco.
Os professores, em sua esmagadora maioria, têm pouquíssimos
conhecimentos técnicos sobre o assunto, muito menos treinamento para
lidar com alunos superdotados. Ou seja, educação que está na periferia
das preocupações das políticas públicas, tem ainda a educação especial
para superdotados como periferia das políticas educacionais. Com nível
tão baixo de prioridade, os programas de atenção ficam restritos a
iniciativas muito mais de ordem pessoal dos professores universitários
que se dedicam ao tema do que de uma iniciativa governamental séria e
ampla que busque levar informação aos professores de todas as escolas.
O Brasil precisa de um programa nacional efetivo para atender os
superdotados, com espaços e cursos de treinamento ou formação de
professores regularmente. Evidentemente, isso demanda recursos, mas
também estratégias de ação de médio e longo prazo. É preciso que o enriquecimento escolar, a aceleração e os grupos de
interesses / habilidades sejam uma realidade concreta nas escolas, não
apenas no ensino fundamental e médio, mas também nas universidades.
Contudo, é preciso criar massa crítica, não apenas na docência, mas em
toda sociedade. É um caminho longo, mas enquanto estivermos fora da
estrada ou a lentos passos, a distância entre nosso país e os demais que
têm investimento expressivo no campo será cada vez maior.
Questão 08) Queria que os senhor falasse um pouco do seu estudo e o que ele pode impactar nessa área.
Meu estudo alinha-se em três frentes: o enriquecimento escolar, o
desenvolvimento moral e a estimulação das memórias de curto prazo /
operacional para melhoria no desempenho acadêmico. Trabalho com alunos
com diferentes níveis intelectivos, de maneira que busco analisar se o
impacto de um programa de enriquecimento escolar afeta o comportamento, o
rendimento e, inclusive, o QI do sujeito. Fazemos medições do QI antes e
depois da intervenção e buscamos observar se existem mudanças
mensuráveis. Paralelo a isso, temos grupos que além do enriquecimento
escolar também frequentam um programa de estimulação das memórias de
curto prazo e operacional para comparar se a memória estimulada
potencializaria a(s) inteligência(s) dos indivíduos.
Ainda mais, temos grupos que passam por um tipo de enriquecimento
escolar na perspectiva do desenvolvimento moral. Ou seja, desejo
averiguar se adolescentes que participam regularmente de discussões
morais, principalmente por meio de dilemas morais na perspectiva de
Kohlberg podem elevar seu juízo moral mensurável por avaliação
específica após alguns meses de enriquecimento. Sendo que nessa frente
da pesquisa, avalio por meio de testes de competência moral se existe
avanço na escala de desenvolvimento moral kohlberguiana (a escala vai do
estágio 01 ao 06) e se temos condições de avaliar se o juízo moral se
correlaciona estatisticamente com o resultado em um teste de
inteligência psicométrico.
Enfim, acredito que posso resumir meus problemas de pesquisa nas
seguintes questões: I) O Enriquecimento Escolar afeta o comportamento,
rendimento acadêmico e o próprio QI?; II) O estímulo das memórias de
curto prazo e operacionais também afetariam o poder cognitivo de maneira
mensurável por testes? III) A moral e inteligência têm correlação
demonstrável? Portanto, essas questões fundamentais, quando
respondidas, e espero, com resultados favoráveis, podem impactar e
inspirar os modelos de ensino de maneira significativa.
Você já pensou se todas as escolas tivessem programas de promoção
cognitiva paralelo ao currículo, especialmente quanto a estimulação da
memória? Ou ainda, se todas as escolas seguissem o modelo de
enriquecimento escolar amplo, que alcançasse a todos, superdotados ou
não? E se todas as escolas tivessem programas organizados em
desenvolvimento moral? Parto do princípio que tudo isso é importante, na
verdade fundamental para melhoria da aprendizagem dos alunos, bem como,
de nosso processo civilizatório. Busco a maior associação possível dos
conhecimentos da neurociência cognitiva com a educação, pois não podemos
continuar no século XXI com uma modelo escolar do século XIX.
Por Igor Paim.
* Texto publicado originalmente no site
Vida de Estudante em 19 de março de 2015.
Igor de Moraes Paim é Doutorando em
Educação, (UNESP – Marília), Mestre em Ensino de Ciências e Matemática
(UFC), Bacharel em Direito (UFC), Licenciado em Ciências Biológicas
(UECE) e Professor do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia
do Ceará.