O texto abaixo não tem relação direta com a Conscienciologia. Entretanto, traz informações e reflexões pertinentes na área da religiosidade.
Principal trecho da obra O código da Vinci:
- Estava na esperança
de que pudesse explicar à menina Neveu a verdadeira natureza do Santo Graal.
Teabing pareceu
espantado.
- Ela não sabe?
Langdon abanou a
cabeça. O sorriso que se espalhou pelo rosto de Leigh Teabing foi quase
obsceno.
- Robert, trouxe-me
uma virgem?
Langdon fez uma
careta, olhando para Sophie.
- O Santo Graal -
disse Teabing, em tom que se tornara professoral. - A maior parte das pessoas
só me pergunta onde é que ele está. Receio bem que se trate de uma pergunta a
que talvez nunca saiba responder. - Voltou-se e olhou diretamente para Sophie.
- No entanto... a
pergunta muitíssimo mais relevante é a seguinte: o que é o Santo Graal?
Sophie sentiu um ar
de excitação acadêmica crescendo nos dois homens.
- Para compreender
plenamente o Graal - continuou Teabing -, temos primeiro de compreender a
Bíblia. Conhece bem o Novo Testamento?
Sophie encolheu os
ombros.
- Não conheço de
todo. Fui criada por um homem que venerava Leonardo da Vinci.
Teabing pareceu
simultaneamente estupefato e contente.
- Uma alma iluminada.
Soberbo! Nesse caso, deve saber que Leonardo era um dos guardiães do segredo do
Santo Graal. E que escondeu pistas na sua arte.
- Robert falou-me
disso, sim.
- E as opiniões de da
Vinci sobre o Novo Testamento?
- Não faço ideia.
Teabing tinha um
sorriso de alegria nos olhos quando apontou a estante do outro lado da sala.
- Robert, importa-se?
Na prateleira de baixo. La Storia di Leonardo.
Langdon atravessou a
sala, tirou da estante um grande livro de arte, voltou para trás e ousou-o em
cima da pequena mesa entre os dois. Fazendo rodar o livro de modo a colocá-lo
de frente para Sophie, Teabing levantou a capa e apontou para uma série de citações
escritas na guarda.
- Do livro de notas
de da Vinci sobre especulações e polêmicas - disse, indicando uma citação em especial.
- Julgo que vai achar esta relevante para a nossa discussão.
Sophie leu as
palavras.
“Muitos fizeram das
ilusões e dos falsos milagres o seu ofício, enganando a estúpida multidão”. -
LEONARDO DA VINCI
- Aqui tem outra -
continuou Teabing, indicando uma citação diferente.
“A cega ignorância é
que nos engana. Ó míseros mortais, abri os olhos!” - LEONARDO DA VINCI
Sophie sentiu um
pequeno arrepio.
- Da Vinci está
falando da Bíblia?
Teabing assentiu.
- Os sentimentos de
Leonardo quanto à Bíblia estão diretamente relacionados com o Santo Graal. Na
realidade, Leonardo pintou o verdadeiro Graal, que vou lhe mostrar dentro de
momentos, mas primeiro temos de falar sobre a Bíblia. - Sorriu. - E tudo o que precisa
saber a respeito da Bíblia pode resumir-se ao que disse o grande doutor
canônico Martyn Percy: “A Bíblia não foi enviada do céu por fax”.
- Desculpe?
- A Bíblia é um
produto do homem, minha querida, não de Deus. Não caiu magicamente das nuvens.
O homem criou-a como um registro histórico de tempos
tumultuosos, e tem
evoluído ao longo de inúmeras traduções, adições e revisões. A
História nunca
conheceu uma versão definitiva do livro.
- Okay.
- Jesus Cristo foi
uma figura histórica tremendamente influente, talvez o líder mais enigmático e
inspirador que o mundo alguma vez viu. Como o profetizado Messias, Jesus derrubou
reis, inspirou milhões de pessoas e fundou novas filosofias. Como descendente das
linhagens de Salomão e de David, tinha o direito legítimo de reclamar o título
de rei dos Judeus. Compreensivelmente, a Sua vida foi registrada por milhares
de seguidores em todo o mundo. - Teabing fez uma pausa para beber um gole de
chá e em seguida pousou a xícara no console da lareira. - Foram considerados
mais de oitenta evangelhos para o Novo Testamento, e no entanto, apenas uns
poucos acabaram por ser escolhidos... entre eles os de Mateus, Marcos, Lucas e
João.
- Quem escolheu que
evangelhos incluir? - perguntou Sophie.
- Aaah! - exclamou
Teabing, com incontível entusiasmo. - A ironia fundamental do cristianismo! A
Bíblia, tal como hoje a conhecemos, foi coligida por um pagão, o imperador
romano Constantino, o Grande.
- Julgava que
Constantino era cristão - disse Sophie.
- Nem pouco mais ou
menos - troçou Teabing. - Foi pagão toda a vida, batizado no leito de morte
quando já estava muito fraco para protestar. No tempo de Constantino, a religião
oficial de Roma era o culto do Sol... o culto do Sol Invictus, de que
Constantino era o sumo sacerdote. Infelizmente para ele, um crescente turbilhão
religioso estava apoderando-se de Roma. Três séculos depois da crucifixão de
Jesus Cristo, os seus seguidores tinham-se multiplicado exponencialmente.
Cristãos e pagãos começaram a guerrear-se, e o conflito atingiu proporções tais
que ameaçava dividir Roma em duas. Constantino decidiu que era preciso fazer
qualquer coisa. Em 325 d. C. resolveu unificar o império sob uma única
religião: o cristianismo.
Sophie parecia
espantada.
- Porque haveria um
imperador pagão de escolher o Cristianismo como religião de
Estado?
Teabing soltou um
risinho.
- Constantino era um
excelente homem de negócios. Percebeu que o Cristianismo estava em ascensão, e
limitou-se a apostar no cavalo vencedor. Ainda hoje os historiadores ficam
maravilhados com a forma brilhante como converteu os adoradores do Sol pagãos
ao cristianismo. Fundindo símbolos, datas e rituais pagãos com a crescente tradição
cristã, criou uma espécie de religião híbrida que era aceitável para ambas as partes.
- Uma adulteração
grotesca - interveio Langdon. - Os vestígios da religião pagã na simbologia
cristã são inegáveis. Os discos solares egípcios tornaram-se os halos dos
santos católicos.
Pictogramas de Ísis cuidando do seu miraculosamente concebido filho Hórus
tornaram-se o modelo das nossas modernas imagens da Virgem com o Menino. E praticamente
todos os elementos do ritual católico... a mitra, o altar, a doxologia e a comunhão,
o ato de “comer Deus”... foram diretamente tirados de religiões pagãs anteriores.
Teabing gemeu.
- Nunca deixe um
simbologista começar a falar de ícones cristãos. No cristianismo, nada é
original. O deus pré-cristão Mitra... chamado Filho do Sol e Luz do Mundo... nasceu
a vinte e cinco de Dezembro, morreu, foi sepultado em um túmulo de rocha e
ressuscitou três dias
mais tarde. A propósito, 25 de Dezembro é também o dia de aniversário de
Osíris, de Adônis e de Dionísio. O recém-nascido Krishna foi presenteado com
ouro, incenso e mirra. Até o dia santo semanal do cristianismo foi roubado aos pagãos.
- Como?
- Originariamente -
interveio novamente Langdon -, o cristianismo honrava o Sabat judeu, ao sábado,
mas Constantino mudou-o de modo a coincidir com o dia da veneração do Sol dos
pagãos. - Fez uma pausa, sorrindo. - Ainda hoje, a maior parte das pessoas que
vão à missa ao domingo de manhã não sabe que está ali por causa do tributo semanal
dos pagãos ao deus-Sol.
Sophie sentia a
cabeça a andar à roda.
- E tudo isso tem a
ver com o Graal?
- Com certeza -
declarou Teabing. - Continuemos. Durante esta fusão de religiões, Constantino,
que precisava da força da nova tradição cristã, convocou a famosa reunião ecumênica
conhecida como Concílio de Niceia.
Sophie ouvira falar
de Niceia apenas como tendo sido o lugar onde nascera o Credo Niceno.
- Nessa reunião -
prosseguiu Teabing -, foram discutidos e votados muitos aspectos do
cristianismo: a data da Páscoa, o papel dos bispos, a administração dos
sacramentos e, claro, a divindade de Jesus.
- Não estou
entendendo. A divindade de Jesus?
- Minha querida -
disse Teabing -, até àquele momento da História, Jesus tinha sido visto pelos
seus seguidores como um profeta mortal... um grande homem, e poderoso, mas
apesar de tudo um homem. Um mortal.
- Não como o Filho de
Deus?
- Exatamente. O
estabelecimento de Jesus como “Filho de Deus” foi oficialmente proposto e
votado no Concílio de Niceia.
- Espere um momento.
Está me dizendo que a divindade de Jesus resultou de uma
votação?
- E bastante renhida,
por sinal - respondeu Teabing. - Em todo o caso, estabelecer a divindade de
Jesus era crucial para a unificação do Império Romano e para a base de
poder do novo
Vaticano. Ao avalizar oficialmente Jesus como Filho de Deus, Constantino estava
transformando-o em uma divindade que existia além do âmbito do mundo humano, uma
entidade cujo poder era indiscutível. O que não só prevenia futuros desafios
pagãos ao cristianismo, como estabelecia que os seguidores de Cristo passavam a
só poder redimir-se através do canal sagrado acabado de criar: a Igreja
Católica Romana.
Sophie olhou para
Langdon, que lhe fez um ligeiríssimo aceno de concordância.
- Era tudo uma
questão de poder - continuou Teabing. Cristo como Messias era essencial ao
funcionamento da Igreja e do Estado. Muitos estudiosos afirmam que a Igreja primitiva
o roubou literalmente dos seus seguidores originais, apoderando-se da sua mensagem
humana, envolvendo-a em um impenetrável manto de divindade e usando-a para
expandir o seu próprio poder. Escrevi vários livros sobre o tema.
- E suponho que todos
os dias os cristãos devotos lhe enviam cartas insultando-o?
- Porque haveriam de
fazê-lo? - surpreendeu-se Teabing. - A maior parte dos cristãos instruídos
conhece a história da sua fé. Jesus foi sem dúvida um grande homem. As manobras
de baixa política de Constantino em nada diminuem a majestade da vida de
Cristo. Ninguém está
dizendo que Jesus foi um trapaceiro, ou negando que viveu neste mundo e
inspirou milhões de pessoas a terem uma vida melhor. Tudo o que dizemos é que
Constantino se aproveitou das suas substanciais influência e importância. E, ao
fazê-lo, modelou a face do cristianismo tal como hoje o conhecemos.
Sophie olhou para o
livro de arte que tinha à sua frente, ansiosa por ir adiante e ver o quadro de
da Vinci do Santo Graal.
- O busílis da
questão é o seguinte - disse Teabing, falando agora mais depressa. -
Uma vez que Constantino
“promoveu” Cristo a divindade quase quatro séculos depois de ele ter morrido,
havia milhares de documentos que relatavam a sua vida como um homem mortal.
Constantino sabia que, para reescrever os livros de História, precisava de um golpe
de ousadia. Foi daqui que nasceu o momento mais profundo da história do Cristianismo.
- Fez uma pausa, estudando o rosto de Sophie. - Constantino encomendou e financiou
uma nova Bíblia, que omitia os evangelhos que falavam das características humanas
de Cristo e dava destaque aos que faziam dele um deus. Os evangelhos mais antigos
foram banidos, arrebanhados e queimados.
- Uma nota
interessante - acrescentou Langdon. - Quem continuasse a preferir os evangelhos
proibidos à versão de Constantino era declarado herético. A palavra herético nasceu
nessa época. O termo latino hariticus significa “escolha”. Os que “escolheram”
a história original de Cristo foram os primeiros heréticos do mundo.
- Felizmente para os
historiadores - encadeou Teabing -, alguns dos evangelhos que Constantino
tentou erradicar conseguiram sobreviver. Os Manuscritos do Mar Morto foram
encontrados, nos anos 50, em uma gruta escondida perto de Qumran, no deserto da
Judéia. E, claro, os Manuscritos Coptas, em 1945, em Nag Hammadi. Além de
contarem a verdadeira história do Graal, estes documentos falam do ministério
de Cristo em termos muito humanos, claro que o Vaticano, fiel à sua tradição de
desinformação, fez tudo o que pôde para evitar a divulgação desses textos. E
porque não o faria? Os manuscritos denunciam gritantes discrepâncias e mentiras
históricas, demonstrando claramente que a Bíblia moderna foi compilada por
indivíduos que tinham um objetivo político: promover a divindade do homem Jesus
Cristo e usar a influência dele para reforçar a sua própria base de poder.
- Em todo o caso -
interpôs Langdon -, é importante ter presente que o desejo da Igreja moderna de
suprimir estes documentos decorre de uma crença sincera na visão que tem de
Cristo. O Vaticano é constituído por homens muito piedosos que acreditam
verdadeiramente que
estes documentos contrários só podem ser falsos testemunhos.
Teabing riu e
instalou-se em uma cadeira em frente de Sophie.
- Como vê, o nosso
professor é muito mais compreensivo do que eu no que respeita a Roma. Seja como
for, tem razão quando afirma que o clero moderno está convencido da falsidade
destes documentos. O que é compreensível. A Bíblia de Constantino foi a verdade
deles durante séculos. Ninguém está mais doutrinado do que o doutrinador.
- O que ele quer
dizer - esclareceu Langdon - é que veneramos os deuses dos nossos pais.
- O que eu quero
dizer - contrapôs Teabing - é que quase tudo o que os nossos pais
nos ensinaram a
respeito de Cristo é falso. Como falsas são as histórias a respeito do
Santo Graal.
Sophie voltou a olhar
para a citação de Leonardo da Vinci que tinha à sua frente. A cega ignorância é
que nos engana. Ó míseros mortais, abri os olhos!
Teabing pegou no
livro e folheou-o mais para a frente.
- E finalmente, antes
de lhe mostrar as pinturas do Santo Graal de da Vinci, gostaria que desse uma
olhada nisto. Abriu o livro em uma colorida ilustração que ocupava duas páginas
contíguas. - Acredito que reconhece este fresco?
Deve estar brincando!
Sophie estava olhando para o mais famoso fresco de todos os tempos, A Última
Ceia, a lendária pintura que da Vinci executara na parede de Santa
Maria delle Grazie,
perto de Milão. O fresco, muito degradado, representa Jesus e os
discípulos no momento
em que o primeiro anuncia que um deles o vai trair.
- Conheço o fresco,
sim.
- Nesse caso, talvez
me permita um pequeno jogo. Importa-se de fechar os olhos?
Insegura, Sophie
fechou os olhos.
- Onde Jesus está
sentado? - perguntou Teabing.
- No meio.
- Muito bem. E que
alimento estão ele e os discípulos partindo e comendo?
- Pão. Obviamente.
- Ótimo. E o que é
que estão bebendo?
- Vinho. Estão
bebendo vinho.
- Excelente. Uma
última pergunta. Quantos copos de vinho há em cima da mesa?
Sophie hesitou,
percebendo que era uma pergunta armadilhada. E depois da ceia,
Jesus pegou na taça
de vinho, partilhando-a com os Seus discípulos.
- Uma taça - disse. -
O cálice. A Taça de Cristo. O Santo Graal. - Jesus passou à volta da mesa um
único cálice de vinho, como os cristãos modernos fazem na comunhão.
Teabing suspirou.
- Abra os olhos.
Ela assim fez.
Teabing estava sorrindo, com um ar satisfeito. Sophie olhou para a ilustração e
viu, para seu grande espanto, que todos os convivas sentados à mesa tinham um
copo de vinho, incluindo Cristo. Treze copos. Além disso, os copos eram de
vidro, pequenos e sem pé. Não havia qualquer cálice no quadro. Nenhum Santo
Graal.
Os olhos de Teabing
cintilaram.
- Um pouco estranho,
não lhe parece, considerando que tanto a Bíblia como a lenda padrão do Graal
celebram este momento como o do aparecimento definitivo do Santo Graal.
Estranhamente, da Vinci parece ter esquecido de pintar a Taça de Cristo.
- Com toda certeza os
estudiosos de arte devem tê-lo notado.
- Ficaria chocada se
soubesse que anomalias da Vinci incluiu nesta pintura e que a maior parte dos
estudiosos não vê ou prefere simplesmente ignorar. Este fresco é, na
realidade, a chave
para o mistério do Santo Graal. Da Vinci põe tudo a descoberto em A Ultima
Ceia.
Sophie examinou
ansiosamente a ilustração.
- Este fresco nos diz
o que o Graal realmente é?
- Não o que é -
sussurrou Teabing -, mas antes quem é. O Santo Graal não é uma coisa. É, na
realidade... uma pessoa.
Sophie ficou olhando
para Teabing por um longo instante, e então voltou-se para
Langdon.
- O Santo Graal é uma
pessoa?
Langdon assentiu.
- Uma mulher, para
ser mais exato.
Pela expressão vazia
do rosto de Sophie, Langdon percebeu que a tinham perdido. Lembrou-se de ter
tido uma reação semelhante da primeira vez que ouvira a afirmação. Fora só
depois de compreender a simbologia por detrás do Graal que a ligação feminina
se tornara clara. Teabing estava, aparentemente, pensando algo na mesma linha.
- Robert - disse -
talvez seja a altura de o simbologista esclarecer? - Dirigiu-se a uma pequena
mesa e regressou com uma folha de papel que pousou à frente de Langdon.
Langdon tirou uma
caneta do bolso do casaco.
- Conhece, claro, os
símbolos modernos para masculino e feminino? – começou.
- Claro - disse
Sophie.
- Estes - continuou
ele, calmamente - não são os símbolos originais de masculino e feminino. Muitas
pessoas assumem erradamente que o símbolo masculino deriva de um escudo e uma
lança, enquanto o feminino representa um espelho refletindo a beleza. Na realidade,
derivam dos antigos símbolos astronômicos do deus-planeta Marte e da deusaplaneta
Vênus. Os símbolos originais são muito mais simples. - Langdon traçou outro
desenho no papel.
- Este é o ícone
original de masculino - explicou. - Um falo rudimentar.
- Muito apropriado -
comentou Sophie.
- Sem dúvida -
acrescentou Teabing.
- Este ícone é
formalmente conhecido como a lâmina, e representa agressão e virilidade. Na
realidade, este mesmíssimo símbolo fálico continua hoje a ser usado nos
uniformes militares
como indicação do posto.
- É verdade. -
Teabing sorriu - Quantos mais pênis um fulano tem, mais alto é o seu posto.
Coisas de rapazes.
Langdon fez uma
careta.
- Continuando, o
símbolo feminino, como imagina, é o exato oposto. - Fez outro desenho no papel.
- A este chama-se o cálice.
Sophie ergueu os
olhos, parecendo surpreendida. Langdon viu que ela tinha feito a
ligação.
- O cálice - disse -
assemelha-se a uma taça, ou vaso, e, mais importante ainda, evoca a forma do
útero da mulher. Este símbolo transmite feminidade e fertilidade. - Olhou
diretamente para ela. - Sophie, a lenda nos diz que o Santo Graal é um
cálice... uma taça. Mas descrevê-lo como um cálice é na realidade uma alegoria
destinada a proteger a sua verdadeira natureza. Ou seja, a lenda usa o cálice
como uma metáfora para algo muito mais importante.
- Uma mulher - disse
Sophie.
- Exatamente. -
Langdon sorriu. - O Graal é literalmente o antigo símbolo da feminidade e o
Santo Graal representa o sagrado feminino e a deusa, hoje perdidos, praticamente
eliminados pela Igreja. O poder da fêmea e a sua capacidade de produzir
vida eram outrora
muito sagrados, mas representavam uma ameaça à ascensão de uma Igreja
predominantemente masculina, e por isso o sagrado feminino foi demonizado e declarado
impuro. Foi o homem, e não Deus, que criou o conceito do “pecado original”, em
que Eva prova a maçã e provoca a queda da raça humana. A mulher, em tempos a criadora
de vida, passava a ser a inimiga.
- Devo acrescentar -
acrescentou Teabing - que este conceito da mulher como criadora de vida era o
alicerce da antiga religião. O parto era místico e poderoso. Infelizmente, a
filosofia cristã decidiu defraudar o poder criativo da fêmea ignorando a
verdade biológica e
fazendo do homem o Criador. O Gênesis diz-nos que Eva foi feita a partir de uma
costela de Adão. A mulher tornou-se um rebento do homem. E um rebento pecaminoso,
ainda por cima. O Gênesis foi o começo do fim para a deusa.
- O Graal - engrenou
Langdon - é simbólico da deusa perdida. Quando o Cristianismo apareceu, as
antigas religiões pagãs não morreram facilmente. As lendas sobre demandas
cavalheirescas do Graal perdido eram de fato histórias de demandas proibidas do
sagrado feminino perdido. Os cavaleiros que afirmavam “procurar o cálice” falavam
em código como uma forma de se protegerem contra uma Igreja que subjugara as mulheres,
banira a Deusa, queimara os incréus e proibira a reverência pagã pelo sagrado feminino.
Sophie abanou a
cabeça.
- Peço desculpas.
Quando disseram que o Santo Graal é uma pessoa, pensei que fosse uma pessoa de
carne e osso.
- E é - disse Langdon.
- E não uma pessoa
qualquer - interpôs Teabing, pondo-se excitadamente de pé. - Uma mulher que
transportava consigo um segredo tão poderoso que, se revelado, ameaçava arrasar
os próprios alicerces do Cristianismo!
Sophie parecia
esmagada.
- Uma mulher
historicamente bem conhecida? - perguntou.
- Muito. - Teabing
pegou nas muletas e apontou na direção do corredor. - E se quiserem
acompanhar-me ao estúdio, meus amigos, terei a honra de mostrar-lhes o retrato que
da Vinci fez dela.
O “estúdio” de
Teabing era diferente de qualquer outro que Sophie tivesse visto. Seis ou sete
vezes mais amplo do que o mais luxuoso dos escritórios, o cabinet de travail de
Sir Leigh parecia um desgracioso híbrido de laboratório científico, biblioteca,
arquivo e feira da ladra interior. Iluminado por três lustres suspensos, o
vasto chão de
tijoleira mostrava-se
salpicado de ilhas dispersas de mesas de trabalho vergadas ao peso de livros,
obras de arte, artefatos e uma surpreendente quantidade de aparelhagem eletrônica:
computadores, projetores, microscópios, fotocopiadoras e scanners planos.
- Transformei o salão
de baile - explicou Teabing, com um ar embaraçado, quando entraram na sala. -
Não tenho assim muitas oportunidades de dançar.
Sophie sentiu como se
toda aquela noite fosse uma espécie de quinta dimensão
onde nada era o que
ela esperava.
- Tudo isto é para o
seu trabalho?
- Descobrir a verdade
tornou-se a paixão da minha vida respondeu Teabing. - E o
Sangreal é a minha
amante preferida.
O Santo Graal é uma
mulher, pensou Sophie, e o seu espírito era uma colagem de ideias interligadas
que pareciam não fazer qualquer sentido.
- Disse que tinha um
retrato da mulher que afirma ser o Santo Graal.
- Sim, mas não sou eu
que afirmo que ela é o Santo Graal. O próprio Cristo fez
essa afirmação.
- Qual é o quadro? -
perguntou Sophie, percorrendo as paredes com o olhar.
- Hmmm... - Teabing
fez todo um espectáculo de fingir ter-se esquecido. - O Santo Graal. O
Sangreal. O Cálice. - Voltou-se subitamente e apontou para a parede mais distante,
da qual estava suspensa uma cópia com dois metros e quarenta de comprimento de
A Ultima Ceia, exatamente a mesma imagem que Sophie acabava de ver no livro. –
Lá está ela! Sophie teve certeza de que lhe escapara qualquer coisa.
- É o mesmo quadro
que acaba de me mostrar.
Teabing piscou-lhe um
olho.
- Eu sei, mas a
ampliação é muito mais excitante. Não acha?
Sophie voltou-se para
Langdon, em busca de ajuda.
- Me perdi.
Langdon sorriu.
- A verdade é que o
Santo Graal marca de fato presença na Última Ceia. Leonardo deu-lhe um lugar de
destaque.
- Espere aí - pediu
Sophie. - Disse-me que o Santo Graal é uma mulher. A Ultima Ceia é um retrato
de treze homens.
- Será? - perguntou
Teabing. - Olhe com mais atenção.
Insegura, Sophie
aproximou-se da reprodução, examinando as treze figuras: Jesus
no centro, seis
discípulos do lado esquerdo, outros seis do lado direito.
- São todos homens -
confirmou.
- Oh? - exclamou
Teabing. - E o que está sentado no lugar de honra, à direita do Senhor? Sophie
examinou a figura à direita de Jesus, concentrando a atenção. À medida que estudava
o corpo e o rosto da personagem, sentiu uma onda de estupefação crescer-lhe no peito.
O indivíduo tinha longos cabelos vermelhos, mãos delicadamente entrelaçadas, a sugestão
de um seio. Era, sem a mínima dúvida... uma mulher.
- É uma mulher! -
exclamou Sophie.
Teabing estava rindo.
- Surpresa, surpresa.
Não é engano, pode crer. Leonardo era muito hábil em pintar as diferenças entre
os sexos.
Sophie não conseguia
desviar os olhos da mulher sentada ao lado de Cristo. A Ultima Ceia se propõe a
apresentar treze homens. Quem é a mulher? Embora tivesse visto aquela imagem
clássica vezes sem conta, nunca reparara na gritante discrepância.
- Ninguém repara -
disse Teabing. - As nossas noções preconcebidas desta cena
são tão poderosas que
a mente bloqueia a incongruência e sobrepõe-se aos olhos.
- É um fenômeno
conhecido como escotoma - acrescentou Langdon. - O cérebro o
faz muitas vezes, com
símbolos muito poderosos.
- Outra razão
possível para não ter reparado na mulher continuou Teabing - é o fato da maior
parte das fotografias que aparecem nos livros de arte terem sido tiradas antes
de 1954, quando os pormenores estavam ainda escondidos sob camadas de sujeira e
várias restaurações
feitas por incompetentes durante o século XVIII. Agora, finalmente, o fresco
foi limpo até à camada original de tinta de da Vinci. - Apontou para a
fotografia. - Et voilá!
Sophie aproximou-se
ainda mais da imagem. A mulher sentada à direita de Jesus era jovem e tinha um
ar piedoso, com um rosto tímido, belos cabelos avermelhados e mãos
tranquilamente entrelaçadas. É esta a mulher que podia, sozinha, fazer
desmoronar a Igreja?
- Quem é ela? -
perguntou.
- Essa senhora, minha
querida - respondeu Teabing -, é Maria Madalena.
Sophie voltou-se.
- A prostituta?
Teabing teve uma
curta inspiração entredentes, como se a palavra o tivesse ofendido
pessoalmente.
- Maria Madalena não
era nada disso. Esse falso juízo é um legado da campanha de calúnias lançada
pela Igreja primitiva. A Igreja precisava difamar Maria Madalena para encobrir
o seu perigoso segredo: o papel dela como Santo Graal.
- O papel dela?
- Como já disse -
esclareceu Teabing -, a Igreja primitiva precisava convencer o mundo de que o
profeta mortal Jesus era um ser divino. Por essa razão, os evangelhos que descreviam
os aspectos terrenos da vida de Jesus tinham de ser omitidos da Bíblia. Infelizmente
para os primeiros editores, havia um tema terreno particularmente perturbador
que aparecia mencionado em todos os evangelhos. - Fez uma pausa. – O casamento
de Jesus Cristo.
- Desculpe? - Os
olhos de Sophie saltaram para Langdon, e depois de novo para Teabing.
- Está historicamente
registrado, e da Vinci tinha com toda certeza conhecimento do fato. A Última
Ceia praticamente grita ao espectador que Jesus e Madalena eram um
casal.
Sophie voltou olhando
para a reprodução do fresco.
- Repare que Jesus e
Madalena estão vestidos como imagens reflexas um do outro - disse Teabing,
apontando para as duas personagens centrais.
Sophie estava
fascinada. E, sem a mínima dúvida, as roupas dos dois eram de cores
inversas. Jesus usava
uma túnica vermelha e um manto azul; Maria Madalena usava uma túnica azul e um
manto vermelho. Yin e Yang.
- Aventurando-nos no ainda
mais bizarro - continuou Teabing -, repare que Jesus e a sua noiva parecem
estar unidos pela anca e inclinam-se para longe um do outro, como
que para criar entre
ambos este espaço negativo claramente delineado.
Ainda antes que
Teabing traçasse o contorno com o dedo, Sophie viu-o: a indiscutível forma de V
no ponto focal da pintura. Era o mesmo símbolo que Langdon desenhara momentos
antes e que dissera representar o Graal, o cálice e o útero feminino.
- Finalmente - disse
Teabing -, se vir Jesus e Madalena como elementos da composição e não como
personagens, verá uma outra forma óbvia saltar-lhe aos olhos. - Fez uma pausa.
- Uma letra do alfabeto.
Sophie a viu
imediatamente. Dizer que a letra lhe saltou aos olhos seria um eufemismo.
Subitamente, não via mais nada senão a letra. Bem no centro da pintura destacava-se
o inquestionável desenho de um enorme e impecavelmente traçado M.
- Um pouco perfeito
de mais para ser coincidência, não acha? - perguntou Teabing.
Sophie estava
estupefata.
- E está ali por quê?
Teabing encolheu os
ombros.
- Os teóricos da
conspiração lhe dirão que significa Matrimônio ou Maria Madalena. Para ser
honesto, ninguém sabe. A única certeza é que o M escondido não é resultado de
um acaso. Inúmeras obras relacionadas com o Graal contêm um Magnus escondido...
seja em marcas-de-água, camadas inferiores de pintura ou alusões composicionais.
O mais evidente de todos os M é, claro, o que aparece no altar de Nossa Senhora
de Paris, em Londres, concebido por um ex-Grão-Mestre do Priorado de Sião, Jean
Cocteau.
Sophie pesou a
informação.
- Admito que os M
escondidos são intrigantes, embora assuma que ninguém afirma que constituem
prova do casamento de Jesus com Madalena.
- Não, não -
respondeu Teabing, que se dirigia a uma mesa próxima carregada de livros. -
Como disse há pouco, o casamento de Jesus com Maria Madalena é um fato
historicamente registrado.
- Pôs-se a remexer nas rimas de livros. - Além disso, Jesus
como homem casado faz
infinitamente mais sentido do que a tradicional visão bíblica de Jesus como
homem solteiro.
- Porquê? - perguntou
Sophie.
- Porque Jesus era
judeu - disse Langdon, pegando no testemunho enquanto Teabing procurava o seu
livro -, e o decoro social da época praticamente proibia que um judeu adulto
não fosse casado. O costume judaico condenava o celibato, e a obrigação de
qualquer pai era
procurar uma esposa adequada para o filho. Se Jesus não fosse casado, pelo
menos um dos evangelhos mencionaria o fato e proporia uma explicação qualquer para
esta anormalidade.
Teabing localizou um
enorme livro e puxou-o para si por cima do tampo da mesa. Encadernado em couro,
tinha o tamanho de um cartaz, como um grande atlas. O título gravado na capa
dizia: Evangelhos Gnósticos. Teabing abriu-o e Langdon e Sophie juntaram-se-lhe.
Sophie viu que continha fotografias daquilo que parecia ser passagens ampliadas
de documentos antigos: papiro esfarrapado com textos manuscritos. Não reconheceu
a língua antiga, mas as páginas contíguas continham traduções impressas em letra
de forma.
- São fotocópias do
Nag Hammadi e dos Manuscritos do Mar Morto que referi há pouco - disse Teabing.
- Os mais antigos registrros cristãos. Não condizem com os evangelhos que
aparecem na Bíblia, o que é extremamente perturbador. - Folheando as páginas
mais para a frente, apontou para uma passagem. - O Evangelho de Filipe é
sempre um bom lugar
para se começar.
Sophie leu a
passagem:
“E a companheira do
Salvador é Maria Madalena. Cristo amava-a mais do que a todos os discípulos e
costumava beijá-la muitas vezes na boca. Os outros discípulos sentiam-se
ofendidos por isto e expressavam a sua desaprovação. Perguntavam-lhe:
«Porque é que a amas
mais do que a todos nós?»”
As palavras
surpreenderam Sophie, mas não lhe pareceram de modo algum conclusivas.
- Não diz aqui nada a
respeito de casamento.
- Au contraire. -
Teabing sorriu, apontando para a primeira linha. - Como qualquer estudioso do
aramaico lhe dirá, a palavra companheira, naquele tempo, significava literalmente
esposa.
Langdon corroborou
com um aceno de cabeça.
Sophie voltou a ler a
primeira linha. E a companheira do Salvador é Maria Madalena.
Teabing voltou a
folhear o livro, apontando várias outras passagens que, para espanto de Sophie,
sugeriam claramente que Madalena e Jesus partilhavam uma relação romântica.
Sir Leigh Teabing
continuava a falar:
- Não vou aborrecê-la
com todas as referências à união entre Jesus e Madalena. O tema tem sido
explorado ad nauseam pelos
historiadores modernos. Gostaria, no entanto, de fazer notar o seguinte. -
Apontou para outra passagem. - É do Evangelho de Maria Madalena.
Sophie nem sequer
sabia que havia um evangelho de Maria Madalena. Leu o texto: “E Pedro
perguntou: «É verdade que o Salvador falou com uma mulher sem nos dar
conhecimento? Teremos agora de voltar-nos para ela e escutar o que diz?
Preferiu-a a
nós?»
E Levi respondeu: «Pedro,
sempre foste um exaltado. Agora vejo-te a combater esta mulher como se ela
fosse um adversário. Se o Salvador a achou digna, quem és tu para rejeitá-la?
Certamente o Salvador conhece-a muito bem. Por isso a amou mais do que a nós.»”
- A mulher de que
estão falando é Maria Madalena - explicou Teabing. - Pedro tem ciúmes dela.
- Porque Jesus
preferia Maria.
- Não só isso. O que
estava em jogo era muito mais importante do que simples afetos. Neste ponto dos
Evangelhos, Jesus suspeita de que em breve será preso e crucificado. Por isso
dá a Madalena instruções sobre como conduzir a sua Igreja depois de ter
desaparecido. Pedro expressa o seu descontentamento por ter de obedecer a uma mulher.
Diria que este Pedro era bastante sexista.
Sophie estava
tentando não se perder.
- Estamos falando de
São Pedro. A rocha sobre a qual Jesus construiu a sua Igreja?
- Ele mesmo, com uma
pequena diferença. Segundo estes evangelhos não adulterados, não foi a Pedro
que Jesus deu instruções sobre como estabelecer a Igreja Cristã. Foi a Maria
Madalena.
Sophie olhou para
ele.
- Está me dizendo que
a Igreja Cristã devia ter sido continuada por uma mulher!
- Era esse o plano.
Jesus foi o primeiro dos feministas. Queria que o futuro da sua Igreja ficasse
nas mãos de Maria Madalena.
- E Pedro não
aprovava - interveio Langdon, apontando para A Ultima Ceia. – E aquele, ali.
Vê-se que da Vinci sabia muito bem o que Pedro pensava de Maria Madalena.
Mais uma vez, Sophie
ficou sem palavras. Na pintura, Pedro inclinava-se ameaçadoramente para Maria
Madalena e passava a mão esticada pelo pescoço dela,
como uma faca. O
mesmo gesto que na Madonna dos Rochedos!
- E aqui também -
continuou Langdon, indicando o grupo de discípulos mais perto de Pedro. - Não
pressagia nada de bom, não é?
Sophie concentrou a
atenção e viu uma mão a emergir do grupo de discípulos.
- Aquela mão empunha
uma adaga?
- Exatamente. E, o
que é ainda mais estranho, se contar os braços, verificará que essa mão
pertence... a ninguém. É uma mão sem corpo. Anônima.
Sophie começava a
sentir-se esmagada.
- Peço desculpas, mas
continuo a não ver como é que tudo isto faz de Maria Madalena o Santo Graal.
- Ah! - exclamou
Teabing uma vez mais. - Aí é que está a questão! - Voltou-se de novo para a
mesa e tirou do monte um grande mapa, que desdobrou diante dela. Era uma
espécie de elaborada
genealogia - Poucas pessoas sabem que Maria Madalena, além de ser o braço
direito de Cristo, era já uma mulher poderosa.
Sophie leu o título
da árvore genealógica.
A TRIBO DE BENJAMIM
- Maria Madalena está
aqui - disse Teabing, apontando um lugar perto do topo da genealogia.
Sophie ficou
surpreendida.
- Madalena pertencia
à Casa de Benjamim?
- É verdade -
respondeu Teabing. - Maria Madalena era de descendência real.
- Mas sempre pensei
que fosse pobre.
Teabing abanou a
cabeça.
- Madalena foi
apresentada como prostituta com o objetivo de esconder as provas das suas
poderosas ligações familiares.
Sophie deu por si a
olhar para Langdon, que mais uma vez corroborou. Voltou-se de novo para
Teabing.
- Mas que diferença
fazia à Igreja primitiva que Maria Madalena tivesse sangue real?
Teabing sorriu.
- Minha querida, não
era o sangue real de Maria Madalena que tanto preocupava a Igreja, e sim o seu
casamento com Cristo, que também tinha sangue real. Como sabe,
Mateus diz-nos que
Jesus pertencia à Casa de David. Um descendente de Salomão... rei dos Judeus. Ao casar com uma mulher da
poderosa Casa de Benjamim, Jesus fundia duas linhagens reais, criando uma união
política com potencial para apresentar uma legítima pretensão ao trono e
restaurar a linha de reis tal como vinha de Salomão.
Sophie sentiu que ele
estava quase chegando ao fulcro da questão. Teabing parecia
agora extremamente
excitado.
- A lenda do Santo
Graal é uma lenda a respeito de sangue real. Quando a lenda do Graal fala do
“cálice que conteve o sangue de Cristo...”, está, na realidade, falando de Maria
Madalena... o útero feminino que conteve a linhagem real de Jesus.
As palavras pareceram
ecoar nas paredes do salão de baile antes que o cérebro de
Sophie as
registrasse. Maria Madalena conteve a linhagem real de Jesus Cristo?
- Mas como podia
Cristo ter uma linhagem real a menos...? Fez uma pausa e olhou
para Langdon.
Langdon sorriu-lhe
docemente.
- A menos que
tivessem um filho.
Sophie ficou
petrificada.
- Veja! - proclamou
Teabing - a maior operação de encobrimento de toda a História! Jesus não só era
casado, como também era pai. Minha querida, Maria Madalena era o Vaso Sagrado.
Era o cálice que conteve o sangue real de Jesus. Foi o útero que gerou a linhagem,
e a vinha de onde nasceu o fruto sagrado!
Sophie sentiu os
pêlos dos braços eriçarem-se-lhe.
- Mas como poderia um
segredo dessa importância permanecer escondido durante todos estes anos?
- Céus! - exclamou
Teabing. - Esteve tudo menos escondido! A linhagem real de Jesus Cristo está na
origem da mais duradoura lenda de todos os tempos: o Santo Graal. A
história de Madalena
tem sido proclamada do alto dos telhados há séculos através de todo o gênero de
metáforas e em todas as línguas. Está em todo o lado, para quem tenha os olhos
abertos.
- E os documentos
Sangreal? - perguntou Sophie. - Contêm alegadamente provas de que Jesus teve
uma linhagem real?
- Sim.
- Então, toda a lenda
do Santo Graal tem a ver com sangue real?
- Muito literalmente
- respondeu Teabing. - A palavra Sangreal deriva de San Greal... Santo Graal.
Mas na sua forma mais antiga, a palavra Sangreal dividia-se de maneira
diferente. - Teabing rabiscou num pedaço de papel, que lhe estendeu.
Sophie leu o que ele
tinha escrito:
Sang Real
Reconheceu
imediatamente a tradução.
Sang Real significava
literalmente Sangue Real.
Sangreal... Sang
Real... San Greal... Sangue Real... Santo Gral.
Estava tudo
interligado.
O Santo Graal é Maria
Madalena... a mãe da linhagem real de Jesus Cristo.
Sophie sentiu uma
nova onda de desorientação submergi-la, ali de pé no antigo salão de baile,
olhando para Robert Langdon. Quantas mais peças Langdon e Teabing punham em
cima da mesa, mais imprevisível o puzzle se tornava.
- Como vê, minha
querida - disse Teabing, coxeando até uma das estantes -, Leonardo não é o
único que tem tentado dizer ao mundo a verdade a respeito do Santo Graal. A
linhagem real de Cristo tem sido estudada em detalhes por dezenas de
historiadores. -
Passou o dedo por uma fila de várias dúzias de livros.
Sophie inclinou a
cabeça e leu alguns dos títulos:
A REVELAÇÃO DOS
TEMPLÁRIOS: Guardiães Secretos da Verdadeira Identidade de Cristo.
A MULHER com A JARRA
DE ALABASTRO. Maria Madalena e o Santo Graal
A DEUSA NOS
EVANGELHOS. Reclamando o Sagrado Feminino.
- Este é, talvez, o
mais conhecido de todos - disse Teabing, tirando um já muito usado livro
encadernado do monte e estendendo-o. Tinha escrito na capa.
SANTO SANGUE, SANTO
GRAAL
O Best-seller
Internacionalmente Aclamado
Sophie ergueu os
olhos.
- Um best-seller
internacional? Nunca ouvi falar dele.
- Era muito nova.
Este livro causou enorme polêmica nos anos 80. Em minha opinião, os autores
fazem na sua análise algumas conjecturas pouco sustentadas, mas a premissa
fundamental é sólida, e cabe-lhes o mérito de terem finalmente trazido para a ribalta
a ideia de linhagem de Cristo.
- Qual foi a reação
da Igreja?
- Escandalizada,
claro. Mas já era de esperar. Trata-se, Afinal, de um segredo que o Vaticano
tinha tentado enterrar no século IV. Em parte, foi essa a intenção das
cruzadas.
Reunir e destruir
informação. A ameaça que Maria Madalena representava para os homens da Igreja
primitiva era potencialmente ruinosa. Era não só a mulher a quem Cristo
confiara a missão de criar a sua Igreja, como também tinha provas físicas de
que a recém-proclamada divindade da Igreja gerara um linhagem mortal. Para se
proteger de Maria Madalena, a Igreja perpetuou a sua imagem como meretriz e
escondeu as provas do casamento de Cristo com ela, despoletando deste modo
quaisquer potenciais afirmações de que Cristo deixara descendência e era um
profeta mortal.
Sophie olhou para
Langdon, que assentiu.
- Sophie, as provas
históricas que apoiam tudo isto são substanciais.
- Admito - continuou
Teabing - que estas afirmações são assustadoras, mas tem de compreender que a
Igreja tinha poderosas motivações para promover um encobrimento desta
amplitude. Nunca teria conseguido sobreviver ao conhecimento público de que Cristo
deixara descendência. Um filho de Jesus minaria a não crucial divindade de
Cristo, e logo da Igreja Cristã, que se declarara o único vaso através do qual
a humanidade podia aceder ao divino e obter entrada no reino dos céus.
- A rosa de cinco
pétalas - disse Sophie, apontando subitamente para a lombada de um dos livros
de Teabing. Exatamente o mesmo desenho que está embutido na caixa de roseira.
Teabing olhou para
Langdon e sorriu.
- Tem bom olho. -
Voltou-se de novo para Sophie. - É o símbolo do Priorado para o Graal. Maria
Madalena. Porque o seu nome era proibido pela Igreja, Maria Madalena tornou-se
secretamente conhecida por muitos pseudônimos... o Cálice, o Santo Graal e a Rosa.
- Fez uma pausa. - A Rosa tem ligações com o pentáculo de Vênus e com a
rosados-dos-ventos da
bússola. A propósito, a palavra rose é idêntica em francês, inglês, alemão e em
muitas outras línguas.
- Rose - acrescentou
Langdon - é também o anagrama de Eros, o deus grego do amor sexual.
Sophie lançou-lhe um
olhar surpreso, e Teabing prosseguiu:
- A rosa sempre foi o
principal símbolo da sexualidade feminina. Nos primitivos cultos da deusa, as
cinco pétalas representavam os cinco estádios da vida feminina: nascimento,
menstruação, maternidade, menopausa e morte. Nos tempos modernos, as ligações
da rosa à feminilidade são consideradas mais visuais. - Olhou para Robert. - Talvez
o simbologista possa explicar?
Robert hesitou.
Demasiado tempo.
- Oh, céus! - bufou
Teabing. - Vocês, os Americanos, são tão pudicos. – Olhou para Sophie. - Aquilo
que tanto atrapalha o Robert é o fato da rosa desabrochada fazer lembrar o
órgão genital feminino, a flor sublime através da qual toda a humanidade chega a
este mundo. E se alguma vez viu um quadro de Georgia O’Keeffe, sabe exatamente
do que estou falando.
- A questão aqui -
interveio Langdon, apontando para a estante - é que todos estes livros
substanciam a mesma afirmação histórica.
- Que Jesus era pai -
disse Sophie, ainda insegura.
- Sim - corroborou
Teabing -, e que Maria Madalena foi o útero que conteve a sua linhagem real.
Ainda hoje, o Priorado de Sião continua a venerar Maria Madalena como a Deusa,
o Santo Graal, a Rosa e a Mãe Divina.
- De acordo com os
ensinamentos do Priorado - continuou Teabing, - Maria Madalena estava grávida
na altura da crucifixão. Para garantir a segurança do filho ainda não nascido
de Jesus Cristo não teve outro remédio senão fugir da Terra Santa. Com a ajuda
do tio de Jesus, José de Arimateia, chegou a França, na altura conhecida como
Gália, onde encontrou um refúgio seguro entre a comunidade judaica. Foi aqui,
em França, que deu à luz uma filha. Que se chamou Sara.
Sophie ergueu
vivamente a cabeça.
- Até sabem o nome da
criança?
- Sabem muito mais do
que isso. As vidas de Madalena e de Sara foram escrupulosamente registradas
pelos seus protetores judeus. Não esqueça que a filha de Madalena pertencia à
linhagem dos reis hebraicos: David e Salomão. Por este motivo, os judeus da
Gália consideravam-na um membro sagrado da realeza e reverenciavam-na como
progenitora de uma linhagem real. Inúmeros eruditos dessa época registraram a estada
de Madalena em França, incluindo o nascimento de Sara e a subsequente árvore genealógica.
Sophie estava
estupefata.
- Há uma árvore
genealógica de Jesus Cristo?
- Sem dúvida. Que é
considerada uma das pedras basilares dos documentos Sangreal. Uma genealogia
completa dos primeiros descendentes de Cristo.
- Mas para que serve
uma genealogia documentada da linhagem de Cristo? - perguntou Sophie. - Não
constitui prova. Os historiadores não têm qualquer possibilidade de
confirmar-lhe a autenticidade.
Teabing riu.
- Exatamente a mesma
que têm de confirmar a autenticidade da Bíblia.
- Querendo com isso
dizer...?
- Querendo com isto
dizer que a História é sempre escrita pelos vencedores.
Quando duas culturas
se chocam, a que perde e obliterada, e a que vence escreve os livros de
História... livros que exaltam a sua própria causa e menosprezam a do inimigo derrotado.
Como Napoleão certa vez disse, “O que é a Histórias senão uma rábula em relação
à qual todos estão de acordo?” - Sorriu. – Mas, pela sua própria natureza, a História
é sempre um relato unilateral.
Sophie nunca tinha
pensado no assunto naqueles termos.
- Os documentos
Sangreal contam simplesmente o outro lado da história de Cristo. No fim, em que
lado cada um acredita acaba por ser uma questão de fé e de exploração pessoal,
mas pelo menos a informação sobreviveu. Os documentos Sangreal incluem
dezenas de milhares
de páginas de informação. Testemunhas oculares do tesouro Sangreal dizem-nos
que era transportado em quatro grandes baús. Pensa-se que nesses baús se encontram
os Documentos Puristas... milhares de páginas de documentos anteriores a Constantino,
intocados, escritos pelos primeiros seguidores de Cristo, que o reverenciam como
mestre e profeta inteiramente humano. Desse tesouro faria igualmente parte,
diz-se, o lendário Documento “Q”... um manuscrito em cuja existência até o
Vaticano admite acreditar. Alegadamente, é um livro que contém os ensinamentos
de Jesus, talvez até escrito pelo seu próprio punho.
- Escrito pelo
próprio Cristo? - exclamou Sophie
- Evidentemente -
respondeu Teabing. - Porque não haveria Jesus de manter um registro do seu próprio
ministério? A maior parte das pessoas fazia-o, naquele tempo.
Outro documento
explosivo que se acredita pertencer ao tesouro é um manuscrito chamado O Diário
de Madalena... o relato pessoal de Maria Madalena do seu relacionamento com
Cristo, da crucifixão e da sua estada em França.
Sophie ficou
silenciosa por um longo momento.
- E esses quatro baús
de documentos eram o tesouro que os Templários encontraram nas ruínas do Templo
de Salomão?
- Exatamente. Os
documentos que tornaram os Cavaleiros tão poderosos. Os documentos que têm sido
objeto de inúmeras demandas do Graal ao longo da História.
- Mas disse que o
Santo Graal era Maria Madalena. Se as pessoas andam à procura de documentos,
porque lhe chama uma demanda do Santo Graal?
Teabing olhou para ela,
e a expressão suavizou-se.
- Porque o
esconderijo do Santo Graal inclui um sarcófago.
- A demanda do Santo
Graal é literalmente uma demanda para ajoelhar diante dos ossos de Maria
Madalena - continuou Teabing, num tom agora mais calmo. – Uma jornada para
rezar aos pés a ostracizada, do sagrado feminino perdido.
Sophie sentiu um
espanto inesperado.
- O esconderijo do
Santo Graal é... um túmulo!
Os olhos cor de avelã
de Teabing adquiriram um ar sonhador.
- Sim, um túmulo que
contém o corpo de Maria Madalena e os documentos que contam a verdadeira
história da sua vida. No fundo, a demanda do Santo Graal sempre foi uma busca
de Madalena... a rainha despojada, sepultada com as provas do legítimo direito da
sua família ao poder.
- E, durante todos
estes anos, os membros do Priorado têm cumprido a missão de proteger o Sangreal
e o Túmulo de Maria Madalena?
- Sim, mas a
irmandade tinha também um outro dever, ainda mais importante: proteger a
própria linhagem de Cristo. Que estava em perigo constante. A Igreja primitiva receava
que se fosse permitido a essa linhagem desenvolver-se, o segredo de Jesus e
Madalena acabaria
eventualmente por vir à tona e pôr em causa a doutrina católica fundamental: a
de um Messias divino que nunca casou nem nunca teve uma união sexual.
- Fez uma pausa. -
Apesar disso, a linha de Cristo cresceu secretamente na França até que, no
século V, num golpe de ousadia, se misturou pelo casamento com o sangue real francês
e deu origem a uma linhagem que conhecemos como dos Merovíngios.
A notícia surpreendeu
Sophie. Merovíngios era uma palavra que todos os estudantes franceses conheciam.
- Os Merovíngios
fundaram Paris.
- Exato. Essa é uma
das razões por que a lenda do Graal é tão rica na França. Muitas das demandas
do Graal levadas a cabo pelo Vaticano neste país foram na realidade missões
secretas que tinham como objetivo eliminar membros da linhagem real. Já ouviu
falar do rei Dagoberto?
Sophie recordava
vagamente o nome de um sanguinolento episódio ouvido numa
aula de História.
- Dagoberto foi um
rei merovíngio, não foi? Apunhalado no olho enquanto dormia?
- Exato. Assassinado
pelo Vaticano em conluio com Pepino de Heristal. Em finais do século VII. Com a
morte de Dagoberto, a linhagem merovíngia quase se extinguiu. Felizmente,
Sigisberto, filho de Dagoberto, escapou aos assassinos e manteve a linhagem...
que mais tarde incluiu Godofredo de Bulhão, fundador do Priorado de Sião.
- O mesmo Godofredo -
interpôs Langdon - que ordenou aos Cavaleiros do Templo que recuperassem os
documentos Sangreal das ruínas do Templo de Salomão e deste modo forneceu aos
Merovíngios provas das suas ligações hereditárias a Jesus
Cristo.
Teabing assentiu,
deixando escapar um fundo suspiro.
- Os deveres do
moderno Priorado de Sião são esmagadores. Está encarregado de uma tripla
tarefa. A irmandade tem de proteger os documentos Sangreal, tem de proteger o
túmulo de Maria Madalena e, claro, tem de manter e proteger a linhagem de
Cristo... os poucos membros da linha de sangue dos Merovíngios que chegaram até
aos tempos modernos.
As palavras ficaram
como que suspensas no espaço enorme, e Sophie sentiu uma
estranha vibração,
como se os seus ossos reverberassem com uma nova espécie de
verdade. Descendentes
de Jesus que sobreviveram até aos tempos modernos?
Um arrepio
percorreu-lhe a pele.
Sangue real.
Não conseguia sequer
imaginá-lo.
Sophie sentiu-se
vazia por dentro enquanto ouvia o cliquetear das muletas de Teabing
afastando-se pelo corredor. Aturdida, voltou-se para enfrentar Langdon no salão
de baile deserto. Ele já estava abanando a cabeça, como se pudesse ler-lhe os pensamentos.
- Não, Sophie -
murmurou, procurando tranquilizá-la com o olhar. - A ideia passou-me pela
cabeça quando soube que o seu avô pertencia ao Priorado e você me disse que ele
queria lhe contar um segredo a respeito da sua família. Mas é impossível.
Langdon fez uma
pausa. - Saunière não é um nome merovíngio.
Voltou-se em silêncio
para A Ultima Ceia e ficou olhando para os longos cabelos vermelhos e para os
olhos tranquilos de Maria Madalena. Havia naqueles olhos qualquer coisa que
refletia a perda de um ser amado. Também Sophie a sentia.
- Robert? - chamou,
em voz baixa.
Ele aproximou-se.
- Bem sei que o Leigh
disse que a história do Graal está por todo o lado à nossa volta, mas esta
noite foi a primeira vez que ouvi falar de tudo isto.
Langdon deu a
impressão de querer pousar uma mão reconfortante no ombro dela, mas conteve-se.
- Já tinha ouvido a
história, Sophie. Todo mundo ouviu. Só que as pessoas não percebem isso, quando
a ouvem.
- Não compreendo.
- A história do Graal
está por todo o lado, mas está escondida. Quando a Igreja proibiu que se
falasse da banida Maria Madalena, a sua história e importância passaram a ter
de ser transmitidas por canais mais discretos... canais que suportassem a
metáfora e o simbolismo.
- Claro. As artes.
Langdon apontou para
a reprodução de A Ultima Ceia.
- Um exemplo
perfeito. Algumas das mais duradouras formas de arte, literatura e música do
nosso tempo contam secretamente a história de Maria Madalena e de Jesus.
Langdon falou-lhe
rapidamente de obras de da Vinci, Botticelli, Poussin, Bernini, Mozart e Victor
Hugo que falavam em murmúrios do esforço feito para restaurar o sagrado
feminino. Lendas persistentes, como a de Sir Gwain e do Cavaleiro Verde, do rei
Artur, da Bela Adormecida, eram alegorias ao Graal. Nossa Senhora de Paris de
Victor Hugo e A Flauta Mágica de Mozart estavam cheias de símbolos maçônicos e
de segredos do Graal.
- Quando abrimos os
olhos para o Santo Graal - disse -, nós o vemos por todo o lado. Em quadros. Na
música. Em livros. Até em desenhos animados, em parques temáticos e em filmes
populares.
Mostrou-lhe o relógio
Rato Mickey e contou-lhe como Walt Disney dedicara secretamente a sua vida a
transmitir a história do Graal às gerações futuras. Disney sempre fora exaltado
como “o Leonardo da Vinci dos tempos modernos”. Ambos estavam gerações à frente
das respectivas épocas, eram artistas excepcionalmente dotados, membros de
sociedades secretas e, mais notavelmente, insaciáveis brincalhões. Como Leonardo,
Walt Disney adorava incluir mensagens escondidas e simbolismos na sua arte.
Para o simbologista
treinado, assistir a um dos primeiros filmes de Disney era como ser bombardeado
por uma autêntica barragem de alusões e metáforas. A maior parte das mensagens
de Disney tinha a ver com religião, mitos pagãos e histórias da deusa subjugada.
Não foi por acaso que Disney recontou histórias como A Gata Borralheira, A Bela
Adormecida e Branca de Neve - todas elas relacionadas com a encarceração do
sagrado feminino. Nem era preciso ter estudos de simbolismo para perceber que
Branca de Neve - uma princesa que caía em desgraça depois de ter mordido uma
maçã envenenada era uma clara alusão à queda de Eva no Jardim do Éden. Ou que a
princesa Aurora de A
Bela Adormecida - que, sob o nome de código de “Rosa”, as fadas escondiam nas
profundezas da floresta para a protegerem das garras da bruxa má - era a história
do Graal contada às crianças.
Apesar da sua imagem
de grande corporação, a Disney continuava a contar elementos sabedores entre os
seus empregados, e os seus artistas continuavam a divertir-se inserindo
simbolismos escondidos nos produtos da empresa. Langdon nunca esqueceria o dia
em que um dos seus alunos levara para a aula um DVD de O Rei Leão e parara o filme
na imagem em que a palavra SEX é claramente visível, formada por partículas de pó
flutuando no ar sobre a cabeça de Simba. Embora Langdon suspeitasse que era
mais provável tratar-se de uma traquinice estudantil de algum desenhista do que
de uma alusão erudita à sexualidade humana pagã, aprendera a não subestimar o
domínio da simbologia que a Disney demonstrava. A Pequena Sereia era uma
fascinante tapeçaria de símbolos espirituais tão especificamente relacionados
com a deusa que não podia de modo algum tratar-se de uma coincidência.
Quando vira A Pequena
Sereia pela primeira vez, Langdon não conseguira abafar uma exclamação de
espanto ao verificar que o quadro na casa subaquática de Ariel era nem mais nem
menos do que A Madalena Arrependida do artista francês do século XVII Georges
de La Tour - uma famosa homenagem à banida Madalena -, uma decoração adequada,
considerando que o filme era uma colagem com noventa minutos de óbvias referências
à santidade perdida de Ísis, Eva, Pisces, a deusa-peixe, e, repetidamente, Madalena.
O nome da Pequena Sereia, Ariel, tinha poderosas ligações ao sagrado feminino
e, no Livro de Isaías, era sinônimo de “Cidade Santa sitiada”. É claro que os ondulantes
cabelos vermelhos da sereiazinha também não podiam ser uma coincidência.
O cliquetear das
muletas de Teabing aproximava-se pelo corredor, a um passo invulgarmente vivo.
Quando o dono da casa entrou no estúdio, a sua expressão era severa.
- Não será possível
que os membros do Priorado tenham sido mortos por alguém exterior à Igreja?
Alguém que não compreenda o que o Graal realmente é? A Taça de
Cristo seria, afinal,
um tesouro muito aliciante. Certamente que já houve caçadores de
tesouros que mataram
por muito menos.
- A experiência me
diz - declarou Teabing - que as pessoas são capazes de ir muito mais longe por
causa daquilo que temem do que por causa daquilo que desejam. Detesto algum
desespero neste ataque ao Priorado.
- O argumento é
paradoxal - contrariou Langdon. - Porque haveriam os membros do clero católico
de assassinar membros do Priorado em uma tentativa de obter e destruir documentos
que, de todos os modos, consideram falsos testemunhos?
Teabing deixou
escapar um risinho.
- As torres de marfim
de Harvard amoleceram-no, Robert. Sim, o clero de Roma foi abençoado com uma fé
poderosa, e, por causa disso, as suas crenças conseguem suportar qualquer
tormenta, incluindo documentos que contradizem tudo o que consideram sagrado.
Mas, e o resto do mundo? E aqueles que não foram abençoados com uma certeza tão
absoluta? E aqueles que olham para a crueldade de que o mundo é hoje palco e
perguntam, onde está Deus? Os que olham para os escândalos da Igreja e perguntam,
quem são estes homens que afirmam dizer a verdade a respeito de Cristo e no entanto
mentem para esconder o abuso sexual de crianças praticado pelos seus sacerdotes?
- Teabing fez uma pausa. - O que acontece a essas pessoas, Robert, se vêm a público
provas científicas convincentes de que a versão da Igreja da história de Cristo
é falsa e que a maior história contada é na verdade a maior história impingida?
Langdon não
respondeu.
- Eu digo-lhe o que
acontece se esses documentos são revelados – continuou Teabing. - O Vaticano
enfrenta uma crise de fé sem precedentes nos seus dois mil anos de história.
- Mas se é a Igreja a
responsável por este ataque - perguntou Sophie, ao cabo de um longo silêncio -,
porque foi que só agiram agora? Passados todos estes anos? O Priorado mantém os
documentos Sangreal escondidos. Não representam qualquer ameaça direta para a
Igreja.
Teabing deixou
escapar um ominoso suspiro e lançou um olhar a Langdon. - Robert, assumo que
está a par da missão final do Priorado. O pensamento fez Langdon conter a
respiração.
- Estou - disse.
- Menina Neveu -
continuou Teabing -, há muitos anos que a Igreja e o Priorado mantêm um
entendimento tácito. Ou seja, a Igreja não ataca o Priorado, e o Priorado conserva
os documentos Sangreal escondidos. - Fez uma pausa. - No entanto, parte da história
do Priorado sempre incluiu um plano para desvendar o segredo. A irmandade planeja,
em uma data específica, quebrar o silêncio e consumar o seu triunfo final mostrando
ao mundo os documentos Sangreal e gritando a verdadeira história de Jesus Cristo
do alto das montanhas.
Sophie ficou olhando
para Teabing em silêncio. Por fim, também ela se sentou.
- E pensa que essa
data se aproxima? E que a Igreja sabe disso?
- Uma especulação -
respondeu Teabing. - Mas que proporcionaria à Igreja a motivação para
desencadear um ataque desesperado na tentativa de encontrar os documentos antes
que seja muito tarde.
Langdon teve a
desagradável sensação de que aquilo que Teabing dizia fazia todo
o sentido.
- Acha que a Igreja
seria realmente capaz de descobrir a data do Priorado?
- Porque não?... Se
estamos assumindo que descobriu as identidades dos membros
do Priorado, então
seria seguramente capaz de descobrir-lhes os planos. E mesmo que não conheçam a
data exata, é possível que estejam deixando-se levar pelas suas próprias superstições.
- Superstições? - surpreendeu-se
Sophie.
- Em termos de
profecia - explicou Teabing -, estamos atualmente em uma época de enorme
mudança. O milênio acaba de passar, e com ele terminaram os dois mil anos da idade
astrológica de Pisces, o peixe, que é também o signo de Jesus. Como qualquer simbologista
astrológico lhe dirá, o ideal pisceano acredita que tem de haver um poder superior
dizendo ao homem o que fazer, uma vez que ele é incapaz de pensar pela sua própria
cabeça. Foi, por isso, uma era de religião fervorosa. Agora, no entanto,
estamos entrando na Idade de Aquarius, o carregador de água, cujos ideais
afirmam que o homem aprenderá a verdade e será capaz de pensar por si mesmo. A
mudança ideológica é enorme, e está acontecendo neste preciso momento.
Langdon sentiu um
arrepio. Nunca vira grande interesse ou credibilidade na profecia astrológica,
mas sabia haver na Igreja quem a seguisse de muito perto.
- A Igreja chama a
este período de transição o Fim dos Dias.
Sophie fez um ar
cético.
- Como no fim do
mundo? O Apocalipse?
- Não - respondeu
Langdon. - Esse é um erro bastante comum. Muitas religiões falam do Fim dos
Dias. Não se refere ao fim do mundo, e sim ao fim da Idade atual, a dos Peixes,
que começou no momento do nascimento de Cristo, cobriu dois mil anos e acabou com
a passagem do milênio. Agora que entramos na Idade de Aquário, o Fim dos Dias chegou.
- Numerosos
historiadores do Graal - acrescentou Teabing acreditam que se o Priorado está
de fato planejando revelar a verdade, este ponto da História seria uma altura simbolicamente
adequada. A maior parte dos acadêmicos do Priorado, incluindo eu próprio,
pensava que a revelação da irmandade coincidiria precisamente com a passagem do
milênio. Obviamente, não coincidiu é certo que o calendário romano não encaixa precisamente
com os marcadores astrológicos, pelo que há várias áreas cinzentas na previsão.
Se a Igreja possui agora informações precisas de que a data se aproxima ou se estão
apenas ficando nervosos por causa da previsão astrológica, é algo que não sei
dizer.
Seja como for, não
tem importância. Qualquer dos cenários explica por que razão a Igreja pode ter
decidido lançar um ataque preventivo contra o Priorado. - Franziu a testa. - E,
acredite, se a Igreja descobrir o Santo Graal, o destruirá. Os documentos e as
relíquias da abençoada Maria Madalena. Os olhos dele ensombreceram. - Então,
minha querida, com o desaparecimento do Santo Graal, deixará de haver provas. A
Igreja ganhará a sua luta milenar para reescrever a História. O passado será
apagado para sempre.
Trechos
retirados do livro O Código da Vinci